terça-feira, 7 de junho de 2016

LITURGIA E ARTE – a arquitetura protestante brasileira

Toda celebração religiosa se dá em algum lugar específico, no lugar onde o sagrado pode ser sentido mais nitidamente e onde o participante do culto é colocado no papel de fiel.  O cristianismo como religião surgiu no seio do judaísmo e foi exatamente seguindo os modelos dos seus locais de culto que surgiram os primeiros templos cristãos.  Com a consolidação do cristianismo europeu medieval, toda uma forma de edificar templos foi desenvolvida privilegiando a contemplação como elemento primordial do culto cristão católico.
Descendente desta tradição, o catolicismo brasileiro edificou templos em estilo barroco que se tornaram marcas da fé cristã em terras brasileiras.  E mais, se considerarmos o catolicismo como religião hegemônica no Brasil colônia e aliada íntima da Coroa Portuguesa, então é fácil perceber que qualquer tentativa contrária seria severamente rechaçada – as guerras contra franceses (huguenotes reformados) no Rio de Janeiro e holandeses (protestantes de liturgia também reformada) em Pernambuco configuraram-se para os portugueses como guerra santa.
Porém, com a necessidade da aproximação portuguesa com a Inglaterra, e principalmente com a independência do Brasil em 1822 começou-se então a se conceber a idéia de se ter pluralidade de cultos no Brasil – mais ainda não pluralidade de templos!  A Constituição Imperial promulgada por D. Pedro I, embora reconhecesse a possibilidade de haver cultos de caráter “privados e domésticos” que fossem não-católicos, os templos construídos para atender a estes cultos, segundo o artigo 5º desta Constituição “não teriam aparência exterior de templo”.  Foi sob esta lei que vigorou até o advento da República em 1889 que o protestantismo de missão chegou ao Brasil.
Aliado a isto, fatores econômicos e principalmente a busca da simplicidade em oposição a ostentação católica fez com que as nascentes igrejas protestantes no Brasil arquitetassem suas edificações para culto muito menos rebuscadas que suas irmãs norte-americanas e principalmente européias.  No pentecostalismo estes fatores tornam-se mais pronunciados e, analisando este aspecto, Leonildo Campos assim afirma:
O pentecostalismo, salvo exceções, fez com que o espaço de culto abandonasse a arquitetura gótica ou rebuscada e se instalasse em antigas garagens, lojas comerciais e desativados galpões industriais, comerciais ou áreas de lazer.  Buscava-se então o Deus dos místicos, que habita o interior de seus adoradores, não importando que a sua invocação se dê num espaço às vezes dedicado à apresentação de filmes pornográficos ou num ponto comercial.
Modernamente contudo já se pode observar uma preocupação maior, tanto no protestantismo tradicional quanto entre os pentecostais, no que se refere a arquitetura dos seus templos.  Os modernos templos protestantes, contudo, procuram apresentar elementos mais funcionais e menos estéticos, não mais ligados a estrutura gótica ou barroca que na tradição cúltica brasileira de origem católica sempre estiveram ligados ao lugar do culto.
Por sua vez, já na década de 1960 a Casa Publicadora Batista – depois JUERP – fez publicar o trabalho do missionário norte-americano J.E. Lingerfelt intitulado Vamos Construir Templos Melhores.  Embora destinada originalmente ao público batista, a obra expressa a preocupação protestante de erguer construções e que cada igreja em particular possua um templo que “seja adequado às suas finalidades e à altura do seu povo, seus membros e aqueles que deseja ganhar para Cristo”.  E, embora na mesma página esteja escrito que “o templo (…) é o centro do culto, o lugar de alimentação espiritual para todos”, contudo nitidamente a preocupação da obra é com a técnica da construção em si, sem se deter em momento algum com uma reflexão teológica que justifique a presença ou a ausência de qualquer elemento dentro do projeto de construção.
Entre os pentecostais históricos, embora não haja exemplos tão significativos, mas também já começa a haver um encaminhamento, embora ainda discreto, neste sentido.  No seu item X-1, o Regulamento interno a Igreja Pentecostal Deus é Amor delibera que “todos os Templos a serem construído deverão ter o seu projeto, tipo dois andares e com galerias, e o projeto aprovado pela Diretoria”, logo a seguir apresenta, como justificativa teológica para tal, a citação dos textos bíblicos de Is 54:2-3 e Is 6:1, sem qualquer comentário.
Examinando a Igreja Universal o Reino de Deus que Leonildo Campos faz, certamente, a mais significativa abordagem da relação entre teologia e a arquitetura da construção dos templos.  Começando a análise a partir do próprio protestantismo tradicional vemos que:
O protestantismo eliminou o culto aos santos, propôs a secularização dos lugares onde o “serviço” religioso deveria acontecer, ridicularizou o comércio de artesanato e de bens religiosos associados aos santuários católicos.  A Reforma colocou, no lugar da devoção em movimento, uma platéia de boca fechada e ouvidos abertos, estacionada em redor do púlpito, lugar de onde o sagrado se irrompe através da palavra articulada racionalmente.  O protestantismo também delimitou a criatividade litúrgica e, mesmo condenando a missa católica, impôs sobre o culto um script rígido.  O resultado foi um culto ritualista, que, no caso brasileiro, o protestante histórico aprendeu a prestar à divindade com os missionários norte-americanos, a despeito de todas as influências católicas sobre ele exercidas.
Bem, observando as opções de construção de templos como reflexos de suas opções teológicas, mais uma vez seguindo a análise de L.S. Campos em relação a Igreja Universal, como padrão para as igrejas de culto pós-pentecostal, ou neopentecostal, na linguagem do mesmo:
A arquitetura dos templos da Igreja Universal reflete essa perspectiva ao propor um modelo voltado a participação e não a contemplação. (...) Os templos neopentecostais contêm sempre um palco e uma platéia e, muitas vezes, um corredor por onde o animador da platéia passa distribuindo bênçãos, toques sanadores e palavras abençoadas.


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