terça-feira, 14 de novembro de 2017

O Seminário "liberal" onde estudei

"Há sempre algum proveito quando o mestre não é de inteira confiança: o aprendiz precisa convencer-se a si mesmo sobre as verdades"
(Soren Kierkgaard, em "As obras do amor")

Estudei em um seminário taxado pejorativamente de "liberal".  Digo pejorativamente porque há um misto de desonestidade e pequenez intelectual em quem a ele aplica este termo. 
DESONESTIDADE, porque a intenção de quem usa o termo não visa construir pontes em busca do fortalecimento da unidade na diversidade.  Antes, quem assim o taxa geralmente é um construtor de muros, amante da discriminação alheia, em busca de proteção do próprio status quo, de sua zona de conforto, do incômodo de quem o contesta, da hegemonia do seu poder.
PEQUENEZ INTELECTUAL porque o termo liberal pode significar tanta coisa que, por paradoxal que possa parecer, até de conservador pode ser sinônimo.  Por exemplo: o capitalista conservador é liberal, pois defende a manutenção do liberalismo nas relações de mercado.  Para ele, conservar as relações de produção e consumo distantes do controle do Estado seria o melhor caminho à vida em sociedade. 
Outro exemplo: os batistas nasceram sob a bandeira da defesa da liberdade.  Liberdade de crença, de pensamento, de opinião, de interpretação das Escrituras, de reunir-se, de organizar-se, de autogerir-se como igreja local, de cooperar com outras igrejas e não controlá-las, defendendo tudo isso bem distante das "garras" do Estado que controlava a Igreja Anglicana e as manifestações religiosas na Inglaterra do século XVII. 
Logo, ser um batista conservador deveria ser apegar-se e lutar para conservar essas raízes "liberais".  Isso, entretanto, contraria o agir daqueles que se autodenominam "conservadores", cuja práxis – teoria e prática – insiste em pretender uniformizar e controlar o pensamento coletivo, movido por uma visão político-empresarial diametralmente oposta aos exemplos de Jesus e que, sob pretexto de unificar forças visando fortalecimento denominacional e crescimento numérico, estão agindo como o Estado inglês agia com os insurgentes da igreja quando do nascimento do movimento batista.
O seminário "liberal" onde estudei era – e era aqui não significa juízo de valor sobre o que hoje é, mas minha percepção histórica dos tempos em que lá estudei – um espaço PLURAL.  Embora autônomos e com senso crítico regido por razão, não por rancor, não percebia postura desafiante da parte dos professores com os quais estudei em relação à denominação mantenedora.  Era visível o predominante conservadorismo em torno do respeito à liberdade de pensamento no corpo docente.
Essa pluralidade – que alguns equivocada, maldosa e pejorativamente classificam como "liberalismo" – foi decisiva no preparo de muitos líderes com postura de "servos não subservientes" que têm se destacado em todos os espaços decisórios dentro e fora da denominação batista.
No seminário "liberal" onde estudei, éramos estimulados a ler diretamente o que pensavam os que pensavam a teologia, a missão, a eclesiologia, enfim, em vez de ficarmos restritos ao pensamento dos professores sobre o que pensavam os que pensavam esses assuntos.  Os professores expunham seus pensamentos, tinham opinião própria, mas o espírito não era substituir a cabeça do aluno por suas cabeças, pois isso não seria educação desejável, mas lavagem cerebral. 
Ninguém é exclusivamente liberal ou conservador.  A pessoa consciente de si, do grupo com o qual caminha e dos grupos alternativos ao seu redor, reconhece que esses conceitos precisam ser continuamente entendidos, redefinidos, e se misturam em nós – trocadilho -, em maior ou menor grau, dependendo do assunto e do contexto.  Apequena-se, portanto, quem usa a palavra "liberal" politico-teologicamente de forma pejorativa, visando desvalorizar, marginalizar ou destruir o outro, seja por ignorância ou má-fé.
Tornei-me um pastor e líder conservador quanto aos princípios da tradição batista mais antiga por ter estudado em um seminário cujos professores foram competentes, honestos e tiveram autonomia para nos ensinar a estudar, em vez de programar nossas jovens mentes para tornar-nos meras mãos e mentes de obra manipuláveis por pessoas inescrupulosas que se aproveitam daqueles que cultivam boa-fé 
Qualificar o seminário onde estudei de "liberal" é um elogio, se entendido o significado amplo dessa palavra e seu vínculo com as mais remotas histórias dos batistas.  Por outro lado, chamá-lo de "conservador", em termos populares, como usado por alguns político-ideólogos de religião, pode ser agressivo às histórias dos batistas, pois esses ideólogos, em vez de conservarem o espírito de liberdade, criam camisas-de-força, identificando-se com, repito, o Estado inglês do século XVII do qual nos libertamos, quando levantamos a bandeira da liberdade para nós e para todos.
Em resumo: no Seminário "liberal" onde estudei, fomos estimulados a considerar seriamente a veracidade das palavras de Jesus: "Eis que vos envio como ovelhas em meio a lobos, portanto, sejam simples como as pombas, mas prudentes como as serpentes".  Ainda bem que estudei nesse Seminário "liberal" e aprendi bem essa lição!

Este texto foi escrito pelo colega e amigo Edvar Gimenes (ele publicou no dia 31/10/2017 no sítio blogdoedvar.blogspot.com.br) e, por ter estudado no mesmo Seminário e ter recebido as mesmas boas influências, tomo a liberdade de republicar aqui – assim com os devidos créditos.

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