sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

NO DIA EM QUE O SOL PAROU

A história do dia em que o sol parou, lá no Antigo Testamento, está entre aquelas mais lembradas das narrativas bíblicas.  Mas para entender melhor o episódio deixe-me inicialmente colocá-la num contexto.  A conquista dos filhos de Israel da terra prometida no século XV a.C. aconteceu em meio a batalhas sangrentas.  Josué liderou o povo como um militar e sempre os animou a tomar a iniciativa e enfrentar seus inimigos dispostos à vitória.
O que ocorreu e foi narrado no capítulo 10 do livro de Josué não segue a mesma linha de acontecimentos: liderados por Adoni-Zedeque, rei de Jerusalém, uma coligação se levantou e desafiou os gibeonitas.  Para defender seus aliados, Josué juntou seus melhores homens e partiu para a guerra.
E antes de chegar no inusitado da história – o evento do sol parado – já podemos aprender algo.
A primeira lição é de solidariedade.  Os reis se juntaram para atacar Gibeon.  E para defender seu aliado, Israel se lançou à batalha.  Tudo começa quando o povo de Deus é capaz de sentir a dor e o problema do outro e se envolver procurando se somar na resolução dos mesmos.
Textos não faltam neste sentido: no AT o Sl 133 fala em vivermos em união e no NT Jesus declara que nossa identidade só aparecerá quando amarmos uns aos outros (está em Jo 13:35).  Tudo indica que Josué e seus homens realmente anteciparam a instrução paulina de compartilhar o choro e a alegria do outro (como é dito em Rm 12:15).
A segunda lição vem da atitude de Josué em reunir seus melhores homens (veja Js 10:7).  Para enfrentar as batalhas que sobrevêm contra nós – principalmente as batalhas espirituais – temos de colocar o que temos de melhor a disposição do nosso General.
Aqui lembro ainda das palavras de Jesus que fala em Mt 6:33 em dar o primeiro lugar ao Reino de Deus.  Também não posso me esquecer da advertência de Jeremias quanto ao fazer a obra de Senhor de modo negligente (leia em Jr 48:10).
É nesse momento que o surpreendente acontece.  Quando o povo de Deus se coloca com amor e disposição, o próprio Senhor faz aquilo que não nos é possível (lembre de Mt 19:26).  Duas expressões do verso 14 nos dão o tom da ação divina.
Em primeiro lugar é dito que o Senhor atendeu a um homem.  O que está claro aqui é que quando um servo fiel entra em oração, Deus atende.  Tiago ainda observa o mesmo sobre o profeta Elias que, mesmo sendo humano como nós, Deus o atendeu segurando a chuva.
A outra expressão é que o Senhor lutava por Israel.  O nosso Deus vai a nossa frente e luta por nós.  É o caso da confiança de Neemias ao incentivar o povo na reconstrução do muro (confira Ne 4:20).
É isso que acontece: Deus manipula as leis naturais para agir poderosamente em favor dos seus filhos quando estes se unem com dedicação, amor e zelo, e quando entram na batalha em oração e confiança (compare Gn 8:22 com Js 10:13 e veja do que Deus é capaz!).
Com ousadia, nos entreguemos à batalha espiritual, certos de que o Senhor vai fazer o sol parar, até que nossos inimigos se ponham em fuga e a vitória esteja conquistada para o seu louvor.

(De ibsolnascente.blogspot.com em 23 de outubro de 2009)

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

O que a Bíblia NÃO diz sobre anjos

A figura dos anjos está ampla e variadamente misturada em nossa tradição cristã.  E, embora não haja nenhum capítulo que trate especificamente de sua descrição, eles são citados na Bíblia com freqüência.  É verdade também que aqui e ali acrescentamos algum "conhecimento" herdado de outras tradições não-cristãs, fazendo com que a noção destes seres se tornasse mística, quase folclórica ou mitológica.
Veja na relação a seguir sete coisas que a Bíblia não diz sobre os anjos, mas que muita gente acredita e prega por aí:

1. Anjos com asas – por não haver na Bíblia nenhuma menção detalhada da aparência dos anjos, tudo o que podemos saber é por associação ou imaginação.  Em geral eles são citados apenas como varão.  Mas nunca se fala em asas
A confusão se dá porque figuras como querubins (em Ez 10:5 por exemplo) ou serafins (em Is 6:2) aparecem descritos com asas.  Mas aí já é outra conversa.  Sobre isso, veja o ponto #3 logo abaixo.

2. Jacó lutou com um anjo – esse é clássico.  A citação é da luta de Jacó no vale do rio Jaboque em Gn 32:22-31.  O texto diz que veio um homem que se pôs a lutar com ele até o amanhecer (Gn 32:24 NVI). 
O problema aqui é a expressão na língua original: enquanto os versos Gn 32:1 e 28:12 falam em anjos (no hebraico מלאכי – de מלאך), o versículo da luta se refere a um varão (no hebraico איש – mesmo termo encontrado em Gn 6:9).  Ou seja, literalmente Jacó lutou com um homem.  O mais é interpretação ou dedução.
É verdade que quando seu nome foi mudado, a explicação foi porque ele lutou com Deus e com homens e venceu (Gn 32:28 NVI).  Só que ainda neste versículo não se fala em anjos, pois a luta foi com Deus e com homens.

3. Hierarquia dos anjos – como disse, não há capítulo bíblico que trata de maneira explícita – ou didática – dos anjos.  Eles simplesmente são citados sem maiores detalhes ou preocupação.  Assim, a Bíblia não faz nenhuma referência à hierarquia.   E como se chegou a isso?  O primeiro escritor cristão a tratar do tema foi Clemente de Alexandria no século II e depois se consolidando com um texto intitulado "A Hierarquia Celeste" (em latim: De Coelesti Hierarchia) atribuído a Dionísio Aeropagita.
Ausente nas páginas bíblicas, a verdade contudo é que não há uma uniformidade dos comentadores sobre o tema – há hipóteses variadas.  Os títulos mais utilizados, a partir do texto bíblico, para atribuir hierarquia são: Querubim (כרוב) – citado na Bíblia como guardião do Éden em Gn 3:24 e colocados sobre o propiciatório em Ex 25:20.  Serafim (שרף) – cuja única citação é Is 6:2.  E Arcanjo (do grego ἀρχάγγελος) – que aparece nos textos de 1Ts 4:16 e Jd 9.  Outros termos comuns são: principados, potestades e por aí vai...  e, como disse, não há consenso.
Eu sei que há outros textos que podem indicar uma hierarquia, como por exemplo Js 5:13-15.  Nesta passagem, Josué olhou para cima e viu um homem em pé (Js 5:13 NVI – no hebraico איש).  É certo que ele se apresenta com um título que indica uma patente militar: comandante do exército do Senhor (no hebraico שר־צבא־יהוה), mas daí uma classificação hierárquica angelical é extrapolação.

4. Anjo da morte – aqui também a citação bíblica é dúbia.  Costumeiramente a primeira referência é ao evento da Páscoa quando do Êxodo dos Filhos de Israel do Egito.  No texto é dito que o Senhor não permitirá que o destruidor entre na casa de vocês para matá-los (Ex 12:23 NVI – no hebraico משחית de שחת).  A mesma expressão vai aparecer em 2Sm 24:16 / 1Cr 21:15.  E embora a referência direta a um anjo executando tal serviço só apareça nos textos históricos, em nenhum deles a citação é explícita como "anjo da morte". 
Há outras duas passagens que merecem citação: em Pv 16:14 aparece a expressão literal anjo da morte (מלאכי־מות) mas está claramente usada num sentido conotativo, figurado e poético.  Citá-lo aqui como um ser literal é forçar bastante o texto.  O outro texto é Jó 33:22 (onde a palavra hebraica é ממתים) e também o senso poético deve prevalecer.  No mais é só inferência.
No NT o texto de Ap 9:11 cita Abaddon (em hebraico אבדון) que em grego é Apollion (Απολλύων) como sendo o anjo do abismo.  Penso que ainda aqui anjo da morte não cabe.
Na tradição judaica extra-bíblica existem figuras de anjos da morte – ou malditos – como Azrael ou Samael.  Mas por ser fora do texto canônico, então vou poupar o comentário.

5. Anjo da guarda – sobre este tema eu já comentei em outro post.  Lá eu analisei o texto de Mt 18:10 e entendi, a partir do próprio texto e contexto, que a figura singular e sobrenatural de um anjo destacado para cuidar exclusivamente de alguém não tem base (se quiser ler mais, dê uma olhada no link). 
Outro texto que já vi sendo usado para argumentar sobre tais anjos é Ex 23:20.  Também entendo que a conclusão deve se aproximar da que chegamos em relação ao texto evangélico.

6. Criancinhas se tornam anjos – essa é simplesmente sem nexo.  Confesso que tenho dificuldade até de encontrar qualquer texto que faça alguma ligação, mesmo tênue.  Mesmo citações como a de Mt 19:14 – "Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas" – não diz nada sobre criancinhas que morrem virarem anjinhos.
A cultura popular criou a crença de recém-nascidos que morrem são levados para o céu como anjos.  Isso é útil para consolar os enlutados, mas nada tem de verdade bíblica nem cristã.  Gente é gente e anjo é anjo.

7. Anjos têm filhos – sobre isso também já comentei quando postei sobre os gigantes citados em Gn 6:4 (este é o link se quiser reler).  Ainda considere:
Lá no texto do Gênesis pode-se ler que quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens e elas lhes deram filhos.  Bem, tratar os filhos de Deus (no hebraico האלהים בני) como anjos, além de não fazer sentido em todo o contexto bíblico, distorce a exegese do texto.

* Quanto ao que eu posso compreender da própria Bíblia a cerca do papel dos anjos, vou citar o que escrevi comentando Mateus 18:

Em toda a Bíblia os anjos assistem na sala do trono para o louvar (cito por exemplo o Sl 103:20), servem e obedecem só a ele e são enviados pelo próprio Deus para missões específicas, principalmente quando é preciso agir em favor dos seus pupilos (lembre de Dn 6:22). 


sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

COMO A NEVE

Eu, como bom nordestino que sou, nunca vi a neve e só a conheço por fotos ou imagens, mas tenho que confessar – sem empolgação é claro – que nesta época de Natal o tema seja recorrente em muitas decorações, discursos e ambientes – certamente reflexos das festividades do Hemisfério Norte onde o frio impera nesta época do ano.
Agora, o que vem a minha mente quando o tema é neve são os textos de Is 1:18 e Sl 51:7 – ambos maravilhosos!  Continuo sem conhecê-la, porém vejo o quanto tais textos me falam ao coração.  Na profecia de Isaías, depois de advertir a nação rebelde, o Senhor promete que embora seus pecados sejam vermelhos, eles se tornarão como a neve.  É a promessa divina.  É o salmista Davi, por sua vez, que me mostra de maneira bem prática como isso se dá.  Vejamos:
O motivo que leva Davi a escrever o Salmo é o pecado cometido por ele e denunciado por Natã, o profeta.  Adultério e assassinato pesavam sobre sua alma e isso a sujava e a deixava encardida como a escarlate – cor do sangue derramado.  O que fazer então?  O que fazer diante do pecado cometido e da culpa sentida?  No Salmo, Davi reconhece, confessa e suplica.
Sei que sou pecador – diz o rei no Sl 51:5.  É preciso reconhecer que o pecado é inerente à vida humana  e ninguém está livre desta mácula (lembro que Paulo também falou sobre isso em Rm 3:23).
Mas o problema não está neste pecado primordial herdado.  Davi sabe que o pecado é pessoal e assim deve ser encarado: contra ti, só contra ti, pequei (é o verso do Sl 51:4).  É esta consciência de que meu pecado antes de tudo ofende a Deus que deixa a minha alma pesada e apodrecida.
Tudo começa a mudar quando há uma verdadeira confissão perante o Senhor.  Vejo o mesmo Davi reconhecer que enquanto o pecado não é confessado a mão do Senhor pesa sobre a nossa vida e o corpo definha (leio isso no Sl 32:3-4).  É bom também acrescentar que quem confessa seu pecado alcançará sempre a misericórdia (como dito em Pv 28:13).
Sentindo a alma manchada e amargurada e tendo confessado o pecado que o perseguia (dito no Sl 51:3), Davi então suplica pela graça divina.  Só Deus pode levar a alma e livrar da culpa (veja os versos do Sl 51:7 e 14).  Mas também só Deus pode criar um espírito novo e devolver a alegria da salvação (veja os versos do Sl 51:10 e 12).  E é isto que está contido na oração do salmista.
Somente quem já experimentou a alma lavada e testemunhou o que é ter o pecado sujo como o sangue transformado em limpo como a neve pode glorificar ao Senhor com a certeza de que o que agrada a Deus é um espírito e um coração quebrantado e contrito (Davi disse no Sl 51:17).  Por isso, ao sentir-se livre da imundície do pecado ele agora poderia voltar a oferecer um culto digno ao Senhor.
Hoje quando falo na neve, quero trazer a minha lembrança – e celebrar com isso – a realidade de que também já tive os meus pecados, que enlameavam minha alma, lavados pelo sangue do Cordeiro tornando-me como a neve e, com certeza, estarei incluído entre os bem-aventurados que tomarão da árvore da vida no grande Dia do Senhor (sei disso através de Ap 22:14).  Glória a Cristo por isso!

(Saiu pela primeira vez no sítio ibsolnascente.blogspot.com em 18/12/2009)

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Os Grandes Princípios Batistas – A AUTONOMIA DA IGREJA LOCAL

Este é outro princípio batista inegociável.  E é onde devo contextualizar um pouco mais porque temos problemas sérios nesta área.  Entendo que vivemos um tempo bem diferente do vivido há 20 anos.  As estruturas denominacionais passam por um processo de desgaste junto às igrejas.  Sua imagem está afetada.  Isto é conseqüência até mesmo de um dado cultural, a pós-modernidade, momento social em que vivemos e em que as estruturas são questionadas e deixadas de lado, e o individualismo é cada vez mais acentuado.  Para piorar, em algumas de nossas instituições denominacionais houve má gerência, e isto atingiu as demais.  Em outras, houve açodamento de pessoas que confundiram as coisas e conseguiram, com suas atitudes, criar uma postura refratária por parte das igrejas.  Zelosas pelo seu trabalho, algumas pessoas começaram a pressionar as igrejas e a reclamar das não colaboradoras, muitas vezes insinuando não serem batistas ou serem desengajadas da doutrina batista por não contribuírem financeiramente para a instituição.  Em outras vezes, a luta por poder, nos bastidores, em nada difere da luta que se vê no mundo.  Esta confusão, para mim, se deu porque se ignorou o fato de que a estrutura é serva das igrejas e existe em função delas e não o oposto.  Nem mesmo chamo nossas instituições de denominação porque denominação, no meu entendimento, são as igrejas e as doutrinas que elas sustentam.  Chamo de estrutura e as vejo como para-eclesiásticas, ou seja, elas existem para caminharem ao lado das igrejas.  Por isso, entendo que as estruturas precisam rever seus métodos e seu discurso.  Não devem cobrar das igrejas, mas mostrar sua competência, sua administração com lisura, e como estão levando a obra das igrejas à frente.  Parece-me surrealista que alguns vejam as igrejas como adversárias da denominação.  Elas são a denominação!
As igrejas têm diminuído sua colaboração para a estrutura, tanto em finanças como em envolvimento.  Por isso, vez por outra se lêem artigos em que alguém reclama da autonomia da igreja local e critica as que não estão cerrando fileiras com a estrutura.  Seria bom fazer com que as igrejas todas assumissem o programa da estrutura e bem como os ônus decorrentes da funcionalização do programa.
A autonomia leva à pulverização, mas a centralização leva à uniformidade nos erros.  Cito um trecho de um batista insuspeito, José dos Reis Pereira.  Poucos batistas foram tão engajados na obra como ele.  Certa vez, em uma carta, ele me disse que estava com 24 atribuições denominacionais.  Reis Pereira foi uma vela que se gastou dos dois lados.  Eis o texto: “Os Batistas Gerais decaíram à proporção em que uma forte tendência centralizadora triunfava entre eles.  Vitoriosa essa tendência a autonomia das igrejas locais foi sacrificada.  E é um outro princípio batista, esse da autonomia da igreja local” (Breve História dos Batistas, p.  81).  Centralizar o poder e fortalecer o centro não melhorará a situação.  Reis diz que a história já provou isso.  Deve-se fortalecer e melhorar a base, que são as igrejas.  Se estas forem fortes e sadias, a denominação será forte e sadia.
Não se pode negar a autonomia da igreja local, até mesmo porque o Novo Testamento só mostra uma instituição, que é ela, e desconhece as que criamos.  O que criamos não é antibíblico, mas é abíblico.  Não é errado, mas existe para funcionalizar e vitalizar a igreja local.  O que devemos fazer é mostrar que as igrejas do Novo Testamento viviam em cooperação, que se ajudavam, como Paulo mostra em suas cartas.  Autonomia e cooperação não são antônimos.  As igrejas se engajavam em projetos comuns, mas tudo partia delas.  Até mesmo o envio de missionários.  Os missionários eram enviados pelas igrejas e eram missionários das igrejas e nunca enviados por uma instituição.  Sei que os tempos são outros, as circunstâncias culturais são outras, mas me parece que muitas vezes olhamos pelo lado errado do binóculo.  A pedra de toque do processo batista é a igreja local.  Somos congregacionais desde nossa origem: o governo pertence à congregação local e ela não está sujeita a nenhuma outra instância.  E cooperação, sim.  Mas sacrifício ou abandono da autonomia da igreja local, nunca!
Esta doutrina nos permite declarar que a maior e mais rica igreja batista vale tanto quanto a menor e mais pobre.  E o que se faz em nome dos batistas precisa do aval moral das igrejas para ter credibilidade entre elas.  Não se trata apenas de autonomia da igreja local, mas de sua soberania.  As estruturas precisam se compatibilizar com as igrejas.  Até mesmo por um fator muito simples: precisam delas para sobreviver.

Extraído de uma palestra preparada pelo Pr.  Isaltino Gomes Coelho Filho (1948-2013) para um congresso doutrinário em Altamira, Pará, novembro de 2009.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

VAMOS À CASA DO SENHOR

Alegrei-me com os que me disseram:
"Vamos à casa do Senhor!"
(Sl 122:1)
Em primeiro lugar convém ressaltar que toda adoração deve ser dirigida ao Deus eterno, santo e soberano, que nos criou e nos resgatou em Jesus Cristo.  O crente adora ao Deus que está conhecendo e conhece o Cristo que está adorando – esta é a dinâmica da vida cristã.
Daí a compreensão de que culto é memorial dos atos poderosos de Deus na história, é gratidão pela libertação, é submissão à soberania inconteste de Jesus e é celebração pela vitória final de Cristo e suas hostes.
Mas, principalmente, percebemos a certeza de que adoração é encontro – do crente consigo mesmo e com o próximo – e acima de tudo do adorador com o seu criador.  Na adoração nos encontramos com o sentido de nossa vida, razão de nossa existência.  O encontro com Cristo que se dá na adoração reorganiza a nossa vida, estabelece valores e nos conduz a salvação.
Culto é colocar toda a nossa existência, vontade e projetos no altar de Deus, é ter o Mestre como primazia e transformar o lugar e o tempo de estarmos na presença sagrada de Deus a oportunidade de darmos sentido a nossa vida e destino a nossa história.  No baú da adoração somos conduzidos em louvor através de coisas velhas e novas à presença daquele que é tudo em todos (Fp 4:8).
Agora fazem sentido as palavras do salmista: "Alegrei-me com os que me disseram: Vamos à casa do Senhor!" (Sl 122:1).

(do livro "No Baú da Adoração" publicado em 2004)

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Calendário Judaico Antigo

A pretexto de curiosidade apenas, aí está o calendário – relação de meses – como costumeiramente o povo judeu distribuía o seu ano.  Ainda por curiosidade, compare com a relação das festas judaicas no quadro que já apresentamos (reveja aqui).


sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

JABULANI

Passada uma semana da tragédia que vitimou mais de setenta pessoas ligadas à Associação Chapecoense de Futebol – e a comoção que se seguiu – e para que também a dor não caia na vala comum do esquecimento; quero publicar aqui este texto que escrevi em junho de 2010, no ensejo da Copa do Mundo de Futebol ocorrida naquele ano na África do Sul.  Com ele eu me solidarizo com os que choram (Rm 12:15), acreditando porém que relembrar motivos de celebração pode ajudar neste momento de perda e dor; orando ainda para o Senhor confortar os corações enlutados.


Para a turma do futebol, começa hoje a Copa do Mundo.  Serão mais de sessenta jogos, transmitidos pela TV, com direito a cobertura jornalística completa, Internet, twitter e outro tanto volume de informações. 
Antes, contudo que a bola começasse a rolar, o assunto que ocupou estes noticiários foi a própria bola em si.  Criada pela patrocinadora da Copa, a bola oficial gerou polêmica pelo seu formato e comportamento.  Para alguns atletas a novidade é interessante, mas para muitos só merece críticas.
Apelidada de Jabulani, a bola da Copa possui 11 cores diferentes.  O nome da bola significa "celebrar", esta é uma palavra da língua Bantu Zulu, um dos 11 idiomas oficiais da África do Sul.
E é neste ponto que quero refletir aqui.  Mais que uma guerra – apesar de alguns quererem ser guerreiros – ou que uma oportunidade de afirmação nacional – e sei que vão querer tirar proveito disso – a Copa se propõe a ser um evento de celebração – embora também saiba que no fundo hoje é mais uma grande promoção comercial e econômica.
Jabulani – celebrar – me faz pensar no tão conhecido Salmo 100.  Este sim, é celebração de verdade.  Veja o que ele diz sobre celebração.
Celebrai com júbilo ao Senhor,
todas a terras.
O verdadeiro espírito de celebração é devido somente ao Senhor – e na sua presença há plenitude de alegria (veja também o Sl 16:11).  O júbilo (alegria festiva e esfuziante) é a maneira própria do servo do Senhor manifestar sua aclamação na presença de Deus.  E isto é devido por todos os habitantes da terra (o Sl 150 fala em todo ser que respira).
O verso dois acrescenta o que deve seguir à celebração verdadeira: servi ao Senhor com alegria.  A celebração do servo do Senhor é sempre acompanhada de um espírito de serviço ao Senhor.  Os cânticos devem gerar em mim – o adorador celebrante – uma atitude de submissão e serviço ao Senhor, pois quem celebra e adora, serve e obedece (veja o grande mandamento em Mt 22:37-38).
Sabei que o Senhor é Deus (verso três).  Celebro ao Senhor e isto me leva a conhecê-lo muito mais.  Sendo o inverso também verdade: à medida que o conheço e o celebro por seu grandes feitos, faço crescer dentro de minha alma do desejo por conhecê-lo mais ainda (como gosto de Os 6:3!).
E prossegue o Salmo: quem celebra ao Senhor e o serve também é levado a buscar a sua presença, a entrar por suas portas com gratidão.  Celebração verdadeira que me faz aclamar sua glória, também me atrai para o interior de sua casa, da sala sagrada do seu trono.  É o lugar perfeito para se celebrar (é por isso que o Sl 122:1 fala em alegria por ser chamado à Casa do Senhor).
Agora a celebração chega ao seu ponto mais alto:
Pois o Senhor é bom
e o seu amor leal é eterno;
a sua fidelidade permanece
por todas as gerações.
Esta é a Jabulani de verdade.  Nada contra a bola ou a Copa (na medida do possível vou até assistir alguns jogos); mas celebração é com o Salmo 100.  Que ele seja o nosso lema.


terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Os Grandes Princípios Batistas – O SACERDÓCIO UNIVERSAL DE TODOS OS SALVOS

Desde o início, os batistas partilharam com os vários grupos insatisfeitos com o protestantismo e com os separatistas, os insatisfeitos da Igreja da Inglaterra, a rejeição de um clero.  Isto é o que se chama “a doutrina do sacerdócio universal de todos os salvos”.  Num certo sentido, não temos sacerdotes entre nós.  Isto no sentido de alguém com mais acesso a Deus do que os demais.  Noutro sentido, todos somos sacerdotes porque todos temos acesso a Deus, sem necessidade um mediador humano.
O pastor não é um sacerdote.  Sua oração vale tanto, aos olhos de Deus, como a oração do zelador da igreja, desde que este seja crente.  A oração do crente é ouvida por causa da graça de Deus, da mediação de Jesus e da intercessão que o Espírito faz por nós, junto à Trindade.  A identidade batista é fortemente marcada por esta concepção teológica: o sacerdócio universal de todos os salvos, em conseqüência do livre acesso que todos nós temos à presença divina.
No entanto, esta doutrina tão valiosa está sendo diluída em nosso meio.  Isto sucede por causa do entendimento de que temos um clero e um laicato.  Todos nós somos ministros, pois todos somos servos.  E todos somos leigos, porque todos somos povo (é este o sentido da palavra “leigo”, alguém do povo).  Não temos clero nem laicato, como batistas.  Somos todos ministros e somos, todos, povo.  Mas isto tem sido esquecido, porque, cada vez mais, a igreja mergulha no Antigo Testamento e não no Novo.  Usamos os termos do Novo com a conotação do Antigo.  Muita gente prega o Antigo Testamento sem analisá-lo pelo Novo Testamento.  Assim, o pastor do Novo Testamento passa a ter a conotação do sacerdote do Antigo Testamento.  É o “ungido”, o detentor de relação especial com Deus que os outros não têm.  Só ele pode realizar certos atos litúrgicos, como se fosse o sacerdote do Antigo Testamento.  Por exemplo, batismo e ceia só podem ser celebrados por ele.  Assumimos isto, mas não é uma exigência bíblica.  Convencionamos isto.
No meio carismático isto é mais forte.  Os pastores tornam a igreja dependente deles.  Só eles têm a oração poderosa, a corrente de libertação só pode ser feita por eles e na igreja, só eles quebram as maldições, etc.  O sentido teológico do sacerdote hebreu permeia o sentido teológico do pastor neotestamentário.  Isto convém ao pastor neopentecostal.  Ele se torna um homem acima dos outros, incontestável, líder que deve ser acatado.  Tem uma autoridade espiritual que os outros não têm.  Ele tem uma linha vermelha com Deus.  Ora, se há algo que aprendemos sobre a liderança nos dois Testamentos, é que o Antigo elitiza a liderança e o Novo a democratiza.  Para o neopentecostal, o Novo Testamento, a mensagem da graça e a eclesiologia simples, despida de objetos, palavras e gestual sagrados não são interessantes.  Assim, ele se refugia no Antigo Testamento.  Por isso há igrejas evangélicas com castiçais de sete braços e estrelas de Davi no lugar da cruz.  Outras desfraldam a bandeira de Israel (e omitem a brasileira), guardam festas judaicas, e têm incensários em seus salões de cultos.  Há evangélicos que parecem frustrados por não serem judeus.  A liturgia pomposa do judaísmo é mais atraente e permite mais manobra ao líder que se põe acima dos outros.  E com isso, os membros da igreja são os ajudantes do obreiro.
Em Portugal, um diácono, conversando comigo, queixou-se da mentalidade católica infiltrada nas igrejas batistas.  O pastor era um sacerdote e os diáconos, seus coroinhas.  No meio neopentecostal, parece que o pastor é um executivo espiritual e os membros, os pagadores de contas.  Lutero tentou apagar o conceito católico de que a Igreja era a liderança, o clero.  Para ele, igreja era o povo e não a instituição, representado por seu clero.  Ele não gostava da palavra kirche para igreja, porque enfatizava a instituição.  Preferia gemeinde, que dá a idéia de comunidade.  Ele queria a ênfase no povo.  O povo é a igreja e o povo é sacerdote.  Não há pessoas credenciadas para terem mais acesso a Deus, em detrimento de outras.  Não há sangue azul espiritual nem uma plebe espiritual.  Deus trata seus filhos por igual, por causa da pessoa de Jesus Cristo
Tudo isto pode ser resumido no expediente de um boletim de uma igreja batista dos Estados Unidos.  Lá constava: “Ministros da Igreja: todos os crentes.  Auxiliar dos ministros: o Pastor da Igreja”.  Deus não deu a tarefa de fazer a obra aos pastores, a não ser a tarefa de serem pastores.  A tarefa de fazer a obra foi dada à Igreja como um todo.  E o Espírito foi dado a todos e não apenas aos pastores.

Extraído de uma palestra preparada pelo Pr.  Isaltino Gomes Coelho Filho (1948-2013) para um congresso doutrinário em Altamira, Pará, novembro de 2009.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

NO TEMPO E NO LUGAR DE DEUS

 Calem-se diante do Soberano, o Senhor,
pois o dia do Senhor está próximo.
O Senhor preparou um sacrifício;
 consagrou seus convidados.
(Sf 1:7)
Visando a nossa reflexão prática sobre como proceder e se comportar na adoração ao nosso Deus, dois pontos precisam ser observados aqui: tempo e lugar.  Como seres humanos que somos, estamos inseparavelmente submetidos às limitações do espaço e do tempo, por isso devemos considerá-lo quando vamos até a presença de Deus para cultuá-lo.
No livro de Gênesis nós lemos que "abençoou Deus o sétimo dia e o santificou" (2:3).  Este princípio vai ser repetido no quarto mandamento que nos instrui a santificarmos o sétimo dia ao Senhor (Êx 20:8).  Com isso Deus está requerendo para si um tempo determinado – santificado – que não poderá ser contaminado com qualquer outro propósito: o dia do Senhor é questão de prioridade para o servo de Deus.  Os cristãos guardam o domingo em memória da obra salvífica e vitoriosa de Cristo na ressurreição; e este tempo tem que ser sempre observado como um tempo de temor e dedicação, consagração e submissão a Jesus.  Este é o tempo que Deus reservou para si e não podemos ocupá-lo com nada além da adoração.  Pensando ainda nisto, devemos reafirmar o nosso compromisso de estar sempre e pontualmente na presença de Deus para adorá-lo.
Diante do templo Jesus afirmou: "A minha casa será chamada casa de oração" (Mt 21:13).  Com isto Jesus reconhece que Deus tem reservado para si um lugar especial onde haverá sempre de se revelar de maneira especial e onde os seus fieis se dedicarão à prática prioritária da oração.  O lugar do crente se somar na busca do eterno Deus é o santuário – lugar destinado à adoração.  E podemos ir além usando as palavras de Hebreus: "Não deixemos de reunir-nos como igreja" (10:25).  A Bíblia nos instrui a não abandonar, mas nos ligar ao local onde Deus há de falar e ouvir o seu povo em adoração.
No tempo e no lugar de Deus nos unamos em adoração.

(do livro "No Baú da Adoração" publicado em 2004)