sexta-feira, 15 de julho de 2016

A DOR SE FOI

No último mês uma recorrente crise de cálculo renal – melhor dita: pedra nos rins – dominou minha rotina.  Com dores beirando a insanidade, visitas repetidas ao hospital, sequências de remédios e substituição deles, noites em claro (ainda que algumas com as luzes apagadas!), agendas ignoradas e expectativa de que elas estavam já beirando a saída, quatro luas se foram.
Bem, deixe-me adiantar logo o fim da história: Agora já posso respirar aliviado.  Num domingo no final da tarde, estando no hospital, enquanto vários irmãos de fé levantavam preces aos céus pela minha saúde, a mão do Todo-Poderoso conduziu as pedras para que saíssem sem precisar de cirurgia.  E as dores se foram...
— Aleluia!
Agora, então, para não deixar o relato tão resumido e aproveitar para fazer fecundar alguma reflexão, vários episódios podiam ser narrados, mas penso que um em especial resume bem os ocorridos.
Depois de noites repetidas no hospital, passei a segunda-feira, de licença médica, me recuperando em casa.
Mais uma noite chegou.
E as dores? Voltariam? Suportaria? Novamente no hospital? Mais remédio? Gemidos? Grunhidos?
Pior que a expectativa, só a dor já conhecida.
A virada da meia noite começou a anunciar-se e com o cruzamento dos ponteiros os primeiros sinais dolorosos na altura dos rins. 
Mal presságio. 
Uma hora depois, toda a plenitude.  A inominável que se inicia nos rins e de lá se irradia já reinava onipresente.  Os terrores da noite em perfeito HDHigh Definition!
A discussão sobre qual a dor mais doída é filosófica – ou a diferença entre a dor física e a dor moral e espiritual é completamente irrelevante.  Simplesmente dói ...  e muito. 
Sempre dividi as dores em dois grupos: as que estão ali mas que ainda permitem algum pensamento e ideia e as que se impõem absolutas.
Devo descrever aquela noite nestes termos: Não há posição confortável.  Não há alívio.  Apenas doi.  Doi.  Doi.  E todo o universo se resume a isso: doi.
E as horas foram se sucedendo.  Na cama, no sofá, na cadeira.  De volta ao sofá.  Na cozinha, na sala, no quarto, diante da televisão.  E já não sei mais onde.  Nem como.
A fé se dilui e a oração desfaz-se entre as dores.  Só me restam as palavras de Jó quando suspirou: "mas comprida é a noite, e farto-me de revolver na cama até a alva".
Então é verdade que em nenhum outro momento me pareceu mais vívida a certeza de que o Espírito por mim intercedeu com gemidos inexprimíveis.  Cada uma das palavras apostólicas. 
Pelas suas pisaduras...  Cada pegada!
Uma.  Duas.  Três.  Quatro.  A noite se vai.  O mundo em silêncio dorme.  A dor continua.
É claro que imagens e linguagens não foram formuladas na madrugada.  Inconcebível.  Certamente refiz incontáveis vezes as dispersas e dolorosas lembranças, a ponto de ter algo para narrar – e é isso que vai aqui.
Continuando.
Os primeiros claros no horizonte anunciavam o alvorecer.  Mais uma vez tentando uma posição no sofá.  Não por esperança ou conforto, mais pelo rodízio.
E assim como começou sem clemência se foi.  Assim mesmo se foi!
Aqui é citação literal da primeira expressão na mente, olhando a janela, deliciando a vista matutina e sem explicação ou razão não sentindo dores:
O choro pode durar uma noite; pela manhã, porém, vem o cântico de júbilo.
Milagre? Você pode dizer o que quiser, para mim foi – e isso basta.  Agora o sol tem outro brilho, o sorriso mais raízes, os passos mais destinos.
As pedras ainda estavam lá e voltariam a dar trabalho.  Nem sei se a dor dos outros episódios foi diferente.  Como disse, elas só saíram dias depois de volta ao hospital.  Mas eu sei em quem tenho crido, e estou bem certo...
A dor se foi por que dele, e por ele, e para ele são todas as coisas.  Glória, pois, a ele eternamente.  Amém.

Ah.  Sim.  Em tempo.  As citações bíblicas estão diluídas no texto de propósito.



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2 comentários:

  1. O choro pode durar uma noite, mas não deve durar uma noite, confiemos nossas vidas nas mãos do Onipotente, que nos guarda e protege.

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    1. Essa é a nossa rela esperança. Glória a Cristo por que ele levou sobre si todas as nossas dores e a noite um dia findará.

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