terça-feira, 31 de maio de 2016

OS GIGANTES NA BÍBLIA – relendo Gênesis 6:4

Uma das perguntas que vez ou outra me fazem, tanto via internet quanto pessoalmente em sala de aula ou na igreja, é sobre o que penso dos gigantes citados no livros de Gênesis.  Em atenção ao tema, reproduzo abaixo uma resposta que ofereci a um colega de ministério.  Espero que tenha ajudado a esclarecer o assunto.

O texto de Gn 6:4 é daqueles versículos da Bíblia que por vezes provoca dúvidas, teorias e interpretações esdrúxulas.  E na verdade não é tão simples.  Vamos ao que ele diz, entendendo o contexto próximo: o capítulo seis diz que no tempo em que a corrupção do gênero humano começou a tomar proporções alarmantes, homens fieis a Deus se envolveram em casamentos mistos e Deus decidiu dar um fim naquilo. 
O verso quatro diz que naqueles dias havia gigantes (em hebraico: נפליםnphlym).  Há muita teoria que se propõe a explicar tais gigantes, várias delas baseadas em mitologia e interpretações pessoais.  O que diz o texto – literalmente – é que eles foram heróis, ou homens notórios que se sobressaíram diante dos demais pelos seus feitos (em hebraico no mesmo versículo: גבריםgbrym).  Todas as demais inferências apresentam uma ponta de dedução. 
Eu, pessoalmente, gosto de tratar o texto bíblico dando voz a ele mesmo.  Os seus autores não estavam elaborando tratados científicos e nem tinham a intenção de produzir provas históricas.   Estavam registrando a revelação de sua fé, e isto deve nutrir a minha também.  Quanto a sua origem genética ou a sua altura física... bem, é querer forçar demais as palavras sagradas.  Quanto às consequências de homens de Deus que se arvoram gigantes... isto corta o coração de Deus (verso 6)

Mas graças a Deus, sempre haverá Noé...

terça-feira, 24 de maio de 2016

O MUNDO NO NOVO TESTAMENTO

Um dos conceitos que levanta debate entre estudantes da Bíblia – principalmente os menos versados – é a ideia de mundo.  Questionam, por exemplo, como Jesus pode dizer que "Deus amou o mundo" (em Jo 3:16) e, em sua carta, João recomendar a "não amar o mundo" (em 1Jo 2:15)?
Numa resposta rápida eu diria que neste caso, embora ambos os versículos usem a mesma palavra grega, reconhecemos uma elasticidade do conceito da palavra na língua koiné.  No original do NT a palavra κóσμος pode tanto significar o universo criado por Deus (daí cosmologia em português) como a arrumação que os humanos dão a este universo (daí cosmético em português).
É claro que uma resposta mais aprofundada vai exigir uma análise detalhada, para a qual não vou me deter aqui.  Veja a seguir apenas uma relação rápidas das três palavras mais comuns na língua grega e que usualmente traduzimos por mundo no Novo Testamento:

1ª PALAVRA SUGERIDA: κóσμος
Segundo o léxico: enfeite, adorno; ou ainda: o mundo, o universo.
Texto exemplo – At 17:24
- Em grego:
̒Ο Θεòς ὁ ποιήσας τὸν κóσμον καὶ πάντα τὰ ἐν αὐτῷ, οὗτος οὐρανοῦ καὶ γῆς ὑπάρχων κύριος οὐκ ἐν χειροποιήτοις ναοῖς κατοικεῖ.
- Em português:
O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens.
Outros textos: Mt 25:34 / Jo 3:16 / Rm 1:20 / 1Pe 5:9 / Tg 3:6

2ª PALAVRA SUGERIDA: αἰῶν
Segundo o léxico: tempo muito longo, eternidade; ou ainda: era, idade, século.
Texto exemplo – Mt 13:22
- Em grego
ὁ δὲ εἰς τὰς ἀκάνθας σπαρείς, οὗτος ἐστιν ὁ τὸν λόγον ἀκούων, καὶ ἡ μέριμνα τοῦ αἰῶνος καὶ ἡ ἀπάτη τοῦ πλούτου συμπνίγει τὸν λόγον, καὶ ἄκαρπος γίνεται.
- Em português:
E o que foi semeado entre os espinhos, este é o que ouve a palavra; mas os cuidados deste mundo e a sedução das riquezas sufocam a palavra, e ela fica infrutífera.
Outros textos: Lc 1:70 / Jo 9:32 / 2Co 4:4 / Gl 1:4

3ª PALAVRA SUGERIDA: οἰκουμένη
Segundo o léxico: a terra habitada, o mundo; ou ainda: o mundo por vir.
Texto exemplo – Hb 2:5
- Em grego
Οὐ γὰρ ἀγγέλοις ὑπέταξεν τὴν οἰκουμένην τὴν μέλλουσαν, περὶ ἡς λαλοῦμεν.
- Em português:
Porque não foi aos anjos que Deus sujeitou o mundo vindouro, de que falamos.
Outros textos: Mt 24:14 / Rm 10:18 / Ap 12:9


sexta-feira, 20 de maio de 2016

ADORAÇÃO E LOUVOR: TENDÊNCIAS

Não faz muito tempo, agendei num domingo à tarde para ir dar assistência a uma pequena congregação que nossa igreja mantém aqui perto de Aracaju.  Lá não tinha pastor e aproveitaria para celebrar a Ceia do Senhor com os irmãos.
A reunião estava marcada para as 15 h.  Cheguei um pouco antes.  Saudei a irmã que estava na entrada do salão de culto.  Fui até os primeiros bancos.  Sentei e aguardei o início dos trabalhos.
Dali a pouco chegou o evangelista.  Cumprimentou-me com alegria pela presença do pastor e pediu que aguardasse que logo o culto começaria.  Ele foi à frente e começou a ajustar o equipamento de som que seria usado naquela tarde.
Sem ver o que acontecia atrás de mim – continuei sentado bem na frente – aguardei.  Tentando chegar a um mínimo aceitável de qualidade, o evangelista continuou pelejando com a caixa de som.  E o início de culto teve que esperar.
Até que, já beirando à meia hora de atraso, finalmente o culto começou – e eu sentado no mesmo lugar.  Depois de alguns cânticos não muito afinados, mas cantados com empolgação, e uma oração, a palavra me foi entregue.  Eu me levantei, dei não mais que dois ou três passos, olhei o salão de frente, e só então me dei conta do que estivera acontecendo naquela tarde:
O culto atrasou meia hora a fim de que o microfone fosse ligado para um auditório de oito pessoas: eu, um diácono que me acompanhava, o evangelista, sua esposa e mais quatro irmãos – dois adolescentes e duas senhoras.
Entendi que ali eles queriam oferecer o melhor para Deus.  Mas o inusitado da situação trouxe-me à mente algumas questões: o que a igreja tem feito consigo mesma e com o seu louvor? Qual o nosso paradigma? E o nosso diferencial? Por que hoje celebramos culto deste jeito? Por que chamamos isso de adoração e louvor?
Temas como estes têm ocupado minha agenda pastoral e teológica e entendo que não há respostas definitivas para todas as questões.  Mas tenho sugestões.  E é isso que eu quero fazer aqui: tentar apontar algumas tendências que me parecem claras no louvor e na adoração da igreja no Brasil hoje.
Antes de continuar, deixe-me fazer duas colocações como quem quer marcar posição.  Primeiro: adoração e louvor não são necessariamente sinônimos de música – é bem mais que isso – mas a associação é quase inevitável.  Então quando aponto para um, respingo no outro.  Segundo: citar tendência atual não equivale a fazer juízo de valor.  Não é por ser moderno que é bom ou ruim.
Bem, vamos às tendências.  Vou sugerir aqui sete delas que me parecem suficientemente abrangentes, três sobre postura e quatro sobre conteúdo.  Cada uma delas mereceria aprofundamentos melhores, mas vou por hora apenas propor um início de conversa.
A chegada do século XXI popularizou os chamados shows gospel (eita expressão esquisita!).  E esta me parece uma tendência inevitável.  A adoração pública deixou o ambiente eclesiástico e ganhou às praças.  Virou show e teatro, apresentação e entretenimento.
Como tudo na vida, tem seu lado bom e ruim.  Se por um lado, tanto livrou as igrejas dos marqueteiros (será?) como contribuiu para divulgar a fé, o que não deixa de ser positivo (considero Fl 1:18); por outro transformou os fieis em platéia e dissociou adoração e louvor da piedade pessoal.
Outra tendência, quase como extensão desta primeira, é a profissionalização dos adoradores e louvadores (existe esta palavra?).  Para se fazer eventos de qualidade é necessário que pessoas se ocupem e esmerem em fazê-los.  E isto exige tempo, habilidade e dedicação – daí a presença de profissionais.
Lembro que Davi profissionalizou o culto em Jerusalém mil anos antes de Cristo, o que deu um fantástico ganho de qualidade à adoração em Israel, daí que ter profissionais no louvor não é necessariamente ruim.  Mas também é verdade que quem trabalha para Deus apenas por dinheiro, logo se venderá ao diabo se ele pagar melhor!
E como estes profissionais da fé precisam ser sustentados (está na Bíblia em 1Tm 5:18), passou-se a criar uma rede de sustentação para tais: gravações, shows, cachês, clips, contratos, e por aí vai...
E isso, sem falar nas rádios e TVs evangélicas que divulgam estes trabalhos, mas que têm também que se virar com a concorrência.  Ou seja, hoje temos a tendência da adoração de apelo midiático (palavra bem pós-moderna!).  É bom ter emissoras cristãs, mas ouvir gospel music (que mania de inglês!) dedicada à "prima da sogra do meu irmão que está ouvindo e gosta deste cantor" é o fim...
E quanto ao conteúdo da adoração e do louvor, que tendências posso detectar? Até que ponto a forma influencia o conteúdo? Acompanhe mais um pouco comigo.
Quanto ao conteúdo, o que mais tem me chamado à atenção é a tendência marcante de canções, mensagens e orações centralizados na primeira pessoal: eu.  Não é de hoje que se canta assim, minha avó já louvava declarando: vivo feliz, pois sou de Jesus (notadamente em primeira pessoal), mas a ênfase estava no rende-lhe sempre ardente louvor (o mais importante deveria ser ele – o Senhor).
Hoje eu canto, eu adoro, eu declaro, eu louvo, eu me prostro, eu sei, eu levanto minhas mãos, eu me alegro, eu tomo posse, eu...  eu...  eu...  E até parece que Cristo é apenas um apêndice nisto tudo!
Mas, além desta adoração autocentralizada, três outros temas parecem dominar as canções de louvor e adoração, e elas completam as tendências que cito aqui.
Já perceberam quanto se faz citação do AT? E em língua hebraica? Também não estou dizendo que é um erro, é uma tendência.  Claro que os textos antigos são de maneira igual parte de nossa herança de fé e não posso esquecê-los.  Mas até parece que se tem saudade da antiga aliança e já nem lembramos que ela foi superada em Cristo (o texto aos Hebreus no NT é exuberante em expor isto!).
Também uma tendência bem marcante hoje é centralizar nossa fé, nossa esperança, e por isso nosso louvor, nas bênçãos temporais de Deus – afinal nos está prometido o melhor desta terra!
Concordo que nenhum cristão sincero nega a esperança no porvir, mas já não se repete com tanto entusiasmo: com Cristo vou morar no lindo céu!
E como última tendência que pretendo apontar, está a de se reportar às nossas batalhas diárias com os mesmos elementos citados acima – uma coisa leva a outra.  Se minha teologia ainda está no Antigo Testamento, eu me vingo do meu inimigo e não o amo, nem oro por ele, muito menos lhe ofereço água! Se minha conquista já deve se revelar por agora, o vinde bendito do meu Pai passa a ser apenas discurso, e não esperança que move a vida.
Bem, como disse lá em cima, são apenas alguns apontes sobre o louvor e a adoração na igreja brasileira hoje e suas tendências – sugestões para início de conversa.  Espero em Cristo que outros possam topar o bate-papo e prosseguir no diálogo.  Creio que será produtivo para o Reino de Deus.
Sim, quanto ao culto na congregação: aproveitei a oportunidade para, dispensando o microfone, celebrar a Ceia do Senhor lembrando os primeiros cristãos que o faziam adicionando à memória a comunhão.  Foi uma tarde abençoada para a glória de Deus.

OJB, 24/11/2013

terça-feira, 17 de maio de 2016

Os Dez Mandamentos em linguagem (mais ou menos) moderna

I – Não terás outros deuses diante de mim
Y       Não crerás na existência de outros deuses, senão de Deus
Y       Não explicarás o universo senão em relação a Deus
Y       Não terás outro critério de Verdade senão Deus
Y       Não te relacionarás com pseudo-divindades, senão com Deus
Y       Não dependerás de falsos deuses, senão de Deus
Y       Não terás satisfação em nada que exclua Deus
II – Não farás imagens de escultura
Y       Não tratarás como Deus o que não é Deus
Y       Não compararás Deus com qualquer de suas criaturas
Y       Não atribuirás poder divino a qualquer das criaturas de Deus
Y       Não colocarás nada entre ti e o teu Deus
Y       Não diminuirás Deus para que possas compreendê-lo ou dominá-lo
Y       Não adorarás qualquer criatura que pretenda representar Deus
III – Não tomarás o nome do teu Deus em vão
Y       Não dissociarás o nome da pessoa de Deus
Y       Não colocarás palavras na boca de Deus
Y       Não te esconderás atrás do nome de Deus
Y       Não usarás o nome de Deus para te justificares
Y       Não te relacionarás com uma idéia a respeito de Deus, senão com o próprio Deus
Y       Não semearás dúvidas respeito do caráter e da identidade de Deus
IV – Lembra-te do sábado para o santificar
Y       Não deixarás de dedicar tempo exclusivamente para Deus
Y       Não deixarás de prestar atenção em Deus
Y       Não deixarás de descansar em Deus
Y       Não derivarás teu valor da tua produtividade
Y       Não tratarás a vida como tua conquista
Y       Não deixarás de reconhecer que em tudo dependes de Deus
V – Honra teu pai e tua mãe
Y       Não negarás tua origem
Y       Não terás vergonha do teu passado
Y       Não deixarás de fazer as pazes com tua história
Y       Não destruirás a família
Y       Não banalizarás a autoridade dos pais em relação aos filhos
Y       Não deixarás teu pai e tua mãe sem o melhor dos teus cuidados
VI – Não matarás
Y       Não tirarás a vida de alguém
Y       Não tirarás ninguém da vida
Y       Não negarás o perdão
Y       Não farás justiça com tuas mãos movidas pelo ódio
Y       Não negarás ao outro a oportunidade de existir na tua vida
Y       Não construirás uma sociedade que mata
VII – Não adulterarás
Y       Não farás sexo, nem na imaginação, nem sexo virtual, exceto com teu cônjuge
Y       Não te deixarás dominar pelos teus instintos físicos
Y       Não terás um coração leviano e infiel
Y       Não te satisfarás apenas no sexo, mas te realizarás acima de tudo no amor
VIII – Não furtarás
Y       Não vincularás tua satisfação às tuas posses
Y       Não te deixarás dominar pelo desejo do que não possuis
Y       Não usurparás a propriedade e o direito alheios
Y       Não deixarás de praticar a gratidão
Y       Não construirás uma imagem às custas do que não podes ter
Y       Não pensarás só em ti mesmo
IX – Não dirás falso testemunho
Y       Não dirás mentiras
Y       Não dirás meias verdades
Y       Não acrescentarás nada à verdade
Y       Não retirarás nada da verdade
Y       Não destruirás teu próximo com tuas palavras
Y       Não dirás ter visto o que não vistes
X –  Não cobiçarás
Y       Não viverás em função do que não tens
Y       Não desprezarás o que tens
Y       Não te colocarás na condição de injustiçado
Y       Não desdenharás os méritos alheios
Y       Não duvidarás da equanimidade das dádivas de Deus
Y       Não viverás para fazer teu o que é do teu próximo, mas do teu próximo o que é teu


Achei esta proposta na internet.  Não sei quem é o autor mas gostei e estou compartilhando.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

GRANDES COISAS

O Sl 126 é um daqueles salmos de louvor e exaltação a Deus em reconhecimento pelo que ele tem feito em favor de seu povo.  O salmo deve ter sido escrito quando da volta dos exilados da Babilônia.  Hoje quero refletir sobre as palavras do salmo considerando o que o Senhor tem feito entre nós, mas isso sem considerar tal contexto original do poema.
O tema central ao redor do qual o poema é construído é a constatação de que o Senhor faz grandes coisas.  Para cantar de alegria diante da vida é preciso crer que o Senhor é quem faz proezas no meio do seu povo (ele age com poder como diz o salmista no Sl 118:15-16).
Sobre isso é bom voltar ao desafio de Jesus a Marta diante de Lázaro morto: Não já lhe falei que se você for capaz de crer você vai perceber a manifestação de Deus em sua vida!? (Jo 11:40 numa tradução livre).
Textos como estes nos levam a compreender que a ação de Deus é sempre real e presente em favor daqueles que o amam (Rm 8:28 merece citação).  Mas somente quem tem os olhos da fé abertos podem realmente vê e compreender como acontece a intervenção divina da história.
Voltemos ao salmo.  Primeiro o salmista observa que até as outras nações têm confirmado que o Senhor tem feito grandes coisas por este povo (veja o verso dois).  É sempre assim: quando Deus age, tudo ao nosso redor é santamente contagiado pela maravilha divina.  Assim foi com José no Egito (leia a história nos capítulos finais do Gn) e assim foi com Paulo durante o naufrágio em sua ida preso a Roma (o relato está em At 27).
O verso três confirma: Sim, coisas grandiosas fez o Senhor por nós, por isso estamos alegres.  A constatação e o testemunho do que Deus faz em nossa própria história tem que nos levar à alegria e à exaltação a Deus.  Não há como perceber quem é Deus e o que ele faz por nós e não render a ele um preito de louvor e adoração.
Isso acontece nos céus e na eternidade: os que venceram a besta cantam que grandes são as obras do Senhor Todo-Poderoso (a expressão de louvor está em Ap 15:3-4).
Então o salmo termina lembrando que quem chora durante o árduo trabalho da semeadura terá como se rejubilar durante o tempo da colheita.  É desse jeito que Deus fez e continua fazendo em nossa igreja.  Se hoje é tempo de celebrar os frutos que o Senhor tem feito produzir entre nós; que também seja o tempo de lançar novas sementes para a glória de Deus.  Aleluia!

(Este texto saiu publicado inicialmente no sítio ibsolnascente.blogspot.com em 04/09/2009.  Aqui eu me dei a liberdade de fazer pequenas adaptações)

terça-feira, 10 de maio de 2016

LITURGIA E ARTE – a música protestante brasileira

Que o povo evangélico é um povo que tem por tradição a música, cremos que não carece de comprovação.  Na tradição litúrgica protestante a arte musical tem sido motivo de orgulho para diversos grupos.  A Profª M.L. Sekeff nos aponta para o fato de que a própria história da música ocidental se confunde com o desenvolvimento da música litúrgica protestante.  Segundo ela é “J.S. Bach em seus 48 Prelúdios e Fugas (1722)” que dá a “afinação padrão da música ocidental hoje”.  Herdeiro desta tradição, o protestantismo brasileiro tem sido bastante rico na sua produção musical.
Antônio Gouvêa Mendonça observa que foi ocupação dos primeiros missionários norte-americanos que chegaram ao Brasil a partir de meados do século XIX a tradução e adaptação de hinos e cânticos comuns nos Estados Unidos; e citando David Martin, Mendonça observa a importância da música no culto protestante britânico, explanação que se enquadraria perfeitamente na descrição da liturgia protestante brasileira:
... não há dúvidas de que o hino proporciona a mais ressonante evocação do sentimento religioso na Bretanha: maior mesmo do que a liturgia.  A própria Bíblia dificilmente se rivaliza com os hinos, mesmo entre os mais biblicistas dos crentes.
Numa observação rápida desta hinódia transplantada do movimento avivalista norte-americano para o Brasil a partir dos hinários que foram sendo colecionados pelas diversas denominações, podemos constatar que o primeiro hinário protestante publicado no Brasil é o Salmos e Hinos, publicado em 1861 pelo casal de missionários presbiterianos Robert e Sarah Kalley contendo originalmente 50 cânticos traduzidos e produzidos por eles mesmos.  E do trabalho destes missionários basicamente toda a tradição de hinos do protestantismo brasileiro se tornou herdeiro.
O segundo hinário é o Cantor Cristão produzido pelo missionário batista Salomão Ginsburg, publicado pela primeira vez em 1891 e de cuja 36ª edição – que é a edição que diríamos definitiva e usada ainda hoje nas igrejas batistas brasileiras – obtemos os seguintes números: dois terços dos hinos são provenientes de autores não-brasileiros, sendo a maioria deles realmente norte-americanos do século XIX.  Pessoalmente as maiores contribuições são Fanny J. Crosby e o próprio Ginsburg, entre letras próprias e traduções.  Outro número interessante a se observar é que vários destes hinos provêm diretamente do Baptist Hymninal, um hinário publicado nos EUA apenas oito anos antes, o que nos conduz a acreditar que o trabalho dos missionários músicos refletia o que havia de mais recente então.
Ainda sobre a publicação e o uso de hinários três observações: Primeiro: Nem as igrejas do pentecostalismo clássico brasileiro escaparam desta prática: a Igreja Assembléia de Deus publicou e usa regularmente o Harpa Cristã, cuja contribuição em termos de hinos distintos dos que já constavam em hinários anteriores é extremamente exígua; observe-se que esta publicação tem servido a diversos grupos pentecostais, embora alguns mais recentes tenham optado pela publicação e adoção dos seus próprios hinários.
Segundo: A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, embora tenha traços nítidos de uma igreja que classificamos como litúrgica, contudo já começa a se abrir para um culto bem mais próximo do protestantismo brasileiro de missão, prova disto é a publicação em 1981 do Hinos do Povo de Deus que, mesmo trazendo no seu final orações apropriadas para uma liturgia pré-fixada, abrange hinos de períodos que vão desde o século XVI – logo após a Reforma – até cânticos bem contemporâneos encontrados somente em coletâneas para juventudes das demais denominações e até negros spirituals, que é um estilo de certo modo ausente nos outros hinários.  Note-se que proporcionalmente apenas uma pequena parte das músicas contidas neste hinário estão presentes nos das demais denominações tradicionais brasileiras – entre eles o hino Castelo Forte composto por M. Lutero e tradicional em todo o protestantismo.
E terceiro: No início da década de 1990, duas das maiores denominações protestantes brasileiras promoveram uma renovação na sua hinódia: a Igreja Presbiteriana do Brasil – IPB publicou e passou a usar o Novo Cântico (1990) e a Convenção Batista Brasileira publicou o Hinário para o Culto Cristão (1991).  Um dado importante sobre estes dois trabalhos é que, além de aproveitar boa parte dos hinos tradicionais, acrescentando-lhes novas composições já com traços muitos mais brasileiros, estes dois hinários acrescentam no seu bojo o Credo Apostólico, no caso do primeiro, e leituras bíblicas liturgicamente distribuídas, no caso do segundo; o que aponta para uma aproximação destas igrejas a uma liturgia mais formalizada.
Quanto à teologia propriamente dita destes hinos cantados pelo protestantismo tradicional brasileiro, o trabalho de Mendonça é bastante abrangente e completo sobre o tema.  A partir deste estudo podemos classificar que a teologia expressa uma visão em quatro ângulos do protestantismo: pietista, peregrino, guerreiro e milenarista e que a figura de Jesus é o tema central cantado pelos protestantes.  Mendonça afirma que embora esta análise não seja tão simples, devido ao “extremo sincretismo ideológico e doutrinário dos cânticos”, contudo pode-se dizer que “o protestantismo no Brasil é um ‘religião de Jesus’, cristológica portanto”, pois é isto que canta.
Seguindo na análise, é a partir dos anos 1970 que um grupo de crentes brasileiros começa a se sentir incomodado com os cânticos e a liturgia como acontece em suas igrejas e a partir daí iniciam um movimento que se aglutinará nas chamada Comunidades Evangélicas que se espalharão por todo o Brasil, apresentando uma nova filosofia de produção de cânticos que será o grande influenciador da liturgia protestante brasileira no final de século XX.  As influências foram bastante variadas, tanto no estilo quanto na técnica em si, trazendo para dentro da liturgia elementos da contracultura hippie e do rock and roll além do uso mais livre da música brasileira.
Um dado importante a se destacar é que as comunidades representam o desaparecimento do hinário como depositário dos hinos e cânticos a serem usados nos cultos: o registro é feito quase que exclusivamente através de gravações que, vendidas indistintamente aos crentes de modo geral, chegam a todas as denominações e são disseminadas, reproduzindo a quase homogeneidade cúltica hoje como a que foi vista nos primórdios dos protestantismo brasileiro, embora não mais nos mesmos termos daquele, e sim com liberdade de se sentir brasileiro e, de certo modo, livre das tradições litúrgicas que lhes eram impostas.
Considerando o Credo Apostólico como depositário fiel da doutrina, tradição e teologia da Igreja Cristã e comparando-o com os cânticos das comunidades, estes expressam uma crença que não fere em ponto algum a fé cristã, ou seja, considerando-se o ponto de vista do Credo, a teologia dos cânticos das Comunidades não devem ser qualificados em hipótese alguma como heréticos.  Mas, diferentemente dos hinos tradicionais, os temas já não são a salvação e a busca aos perdidos para que estes se acheguem a Jesus humilde, contrita e arrependidamente.  O grande tema abordado é o senhorio de Cristo e a certeza de que ele reina e ainda o reconhecimento de Deus como Deus em seus atributos e a atividade da igreja em louvar e reconhecer a este Deus; sendo assim é comum se cantar em ritmo marcial o desafio do cristão de marchar ao lado do general que é Cristo.
Outros temas também podem ser encontrados porém com muito menos freqüência, tais como: humildade perante Deus e nova vida em Cristo (embora o tema da salvação explicitamente não apareça), evangelho social, unção do Espírito e união da Igreja.  Por outro lado, os temas da igreja peregrina e do milênio que estiveram constantemente presente nos hinos protestantes tradicionais agora estão completamente ausentes.  

sexta-feira, 6 de maio de 2016

UMA FAMÍLIA NA BÍBLIA

O primeiro livro de Samuel no AT inicia nos falando de uma família – Deus gosta de começar suas intervenções por aqui!  A princípio parece uma família como outra qualquer; mas se olharmos cuidadosamente veremos que se trata de uma família diferenciada.  Vejamos alguns dos personagens que compõem esta família:
Em primeiro lugar vamos conhecer Elcana.  O texto diz que “havia certo homem de Ramataim...” e não entra em mais detalhes.  Mas vejamos que este levita de Efraim era um bom homem.  Como líder espiritual e responsável pela sua família, Elcana cumpria rigorosamente seus compromissos com o Senhor dos Exércitos e dava exemplo aos da sua casa (1Sm 1:3).  Veja outros exemplos de homens que foram sacerdotes para os da sua casa: Abraão (Gn 17:9); Jó (1:5); Josué (24:15) todos homens honrados e abençoados por Deus.
Também sobre Elcana devemos frisar que ele era completamente apaixonado pela sua esposa.  Note que ele se oferece em consolo a ela pela impossibilidade de gerar filhos, além disto, o texto diz que ele concedia à sua mulher poção dupla da oferta a ser entregue ao Senhor porque a amava (1Sm 1:5).  Que exemplo!  Parece que este homem já estava antecipando o que no NT estaria prescrito em Ef 5:25.
Sobre sua mulher Ana também dois destaques fazem dela uma mulher exemplar.  Em primeiro lugar ela se mostra uma mulher sábia ao tentar resolver seus problemas sem que isso desestruturasse toda a ordem familiar (nela cumpre-se Pv 14:1).  Mas principalmente Ana mostrou seu valor em ter buscado no Senhor a solução para o seu conflito: uma mulher que ora como Ana é capaz de mover os céus e transformar sua família (compare com Sl 37:5).
Como resultado deste casal, Deus fez nascer Samuel.  Um homem como poucos em toda a Bíblia.  Quando era ainda era criança já ouvia a voz de Deus (leia 1Sm 3).  Depois de se tornar homem feito, foi aquele que o Senhor levantou para ungir Saul e Davi reis de Israel e ser o porta-voz divino aos soberanos nacionais.  Com certeza Samuel foi o que foi também por influência da família que teve, pois Deus honra a fidelidade de seus servos (considere ainda Pv 22:6).
Esta é sem dúvida uma família que a Bíblia nos apresenta e que deve pautar a nossa família hoje.  Seja qual for o seu papel em sua casa, compare-se com o exemplo bíblico e procure viver do modo que mais agrada ao nosso Jesus.   Certamente ele também honrará nossa fidelidade hoje.  Que o Senhor abençoe sua família.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Noções de História da Teologia

Contando com dois mil anos de história, a Teologia Cristã se desenvolveu nestes séculos a partir de autores, idéias e eventos que formaram nossa maneira de crer e ser cristão hoje.  No quadro que segue procurei fazer um resumo – bem resumido mesmo! – destes anos de História da Teologia.