terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O ESPÍRITO DA VIDA – conclusão

Conclusão da resenha do livro: O ESPÍRITO DA VIDA: uma pneumatologia integral; de Jürgen Moltmann, publicado Brasil pela Editora Vozes.
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O Espírito vivificante é por definição um Espírito gerador de vida.  O Espírito é aquele que faz nascer novas criaturas; é o nascer de novo das palavras de Jesus a Nicodemos em Jo 3.  Ao lado da figura paterna de Deus, a figura pessoal da metáfora da mãe expressa bem esta ação do Espírito.  Todo o parágrafo de Moltmann ajuda-nos a compreender esta figura:
A metáfora do re-nascimento, ou do novo nascimento, sugere que se fale de uma divindade parturiente.  Deus é experimentado aqui não como o “Senhor que liberta” mas sim como a “fonte da vida”.  Dar à luz, alimentar, proteger e consolar, empatia e simpatia de amor, são então as expressões que nos vêm à mente para descrever as relações do Espírito com seus filhos.   Elas expressam mútua intimidade, em lugar de uma distância  majestática e respeitosa (pág. 154 – itálico no original).
Desdobrando mais ainda este grupo de metáforas, o Espírito que é fons vitae e vita vivificans é também o que convence o mundo do pecado (Jo 16:8) pois não vem para condenar mas para salvar (Jo 3:17).  Uma vez que “a liberdade viva e a vida livre só ganham consistência justiça”, então: “na justiça, a liberdade humana serve à vida, na verdade à vida comum de todos os seres vivos” (pág. 253).  O Espírito que compartilha do senhorio de Deus e de Cristo é o Espírito que gera vida e, como “Espírito da verdade”,  é o que é o juiz para o seu povo.
Os conceitos de Espírito como “Senhor”, “mãe”, e “juiz” expressam funções e não nomes pessoais.  Funções como tais relacionadas como o Espírito Santo não só se interpenetram como também mostram-se voláteis – o Espírito sopra onde quer (Jo 3).  Assim o segundo grupo de metáforas mostra-nos o Espírito como sendo energia, espaço e figura.  O Espírito – a Ruah de Javé – é a “força da vida” (pág. 255), força que distribui carisma à Igreja e que “chamou tudo quanto vive à grande comunhão da vida, e que tudo aí conserva” (pág. 256). 
Este fluxo de energia, contudo, não se dá no vazio.  Na natureza as forças do caos e do cosmo se  subsistem como sistemas abertos “no intercâmbio flutuante de energia”.  Do mesmo modo, “no plano interpessoal, apesar de todas as diferenças, encontramos campos e ritmos energéticos análogos ao que ocorre nas relações” (pág. 256).  Compreendemos assim o Espírito como o espaço vital onde ocorrem as relações entre os seres humanos e entre estes e Deus.  Espaço este que se amolda às circunstâncias.  O Espírito é a fonte de água viva (Jr 17:13 e Jo 4:14) e como água é a “forma modelada que se desenvolve vivendo”, nas palavras de J.W.v. Goethe (pág. 258).
Um outro grupo de metáforas pode ser inferida da experiência pentecostal do cristianismo primitivo – são metáforas de movimento: o Espírito é vento impetuoso, fogo e amor.  Acompanhando a imagem da Ruah de Javé no AT que, no poema da criação em Gênesis capítulo 1, paira sobre o caos, o Espírito em Pentecostes é “o hálito vital de Deus, que vivifica homens e animais” (pág. 259).  Os cristãos ouviram o som como que de um ruído como de vento impetuoso que veio do céu (At 2).  Mas também viram um fogo colocado sobre a cabeça dos discípulos, associando-se ao fogo da coluna que acompanhou o povo durante a travessia do deserto no êxodo.  O Espírito é fogo devorador (Dt 4:24) o que significa que com o seu zelo o Espírito é um Deus apaixonado.  A manifestação da ira no fogo do Espírito é a demonstração da paixão de Deus: “a ira que atua como fogo devorador se manifesta e é experimentado o zelo do seu amor” (pág. 260).
O último grupo é o das metáforas místicas.  O Espírito é luz, água e fecundidade.  As metáforas místicas são assim denominadas não necessariamente por serem diferentes das anteriores, antes pelo contrário: de certo modo elas completam as idéias contidas nos grupos de metáforas anteriores.  Elas são chamadas místicas “porque estas idéias procedem da experiência mística, e porque elas expressam uma união tão íntima do Espírito divino com o humano e do espírito humano com o divino que mal conseguimos distingui-los” (pág. 261).  A analogia da luz é tão antiga quanto recorrente nos textos bíblicos (cf. Sl 27:1; Mq 7:8; Tg 1:17; 1Jo 1:5 entre outros), contudo “a luz divina do Espírito não é apenas a luz fria do conhecimento racional, mas também a cálida luz do conhecimento amoroso” (pág. 262).  A luz divina do Espírito vem de cima e inunda toda a existência humana, mas a idéia de inundação traz consigo a referência a água que, brotando da terra, também pode inundar o homem.  Aqui Moltmann observa a relação da água do batismo com o líquido amniótico.  Nas águas batismais está o símbolo da maternidade divina do Espírito que envolvem todo o ser humano:  aquele que não nascer da água e do Espírito... (Jo 3:5).
A imagem da fecundidade resulta então da associação das duas imagens: luz e água.  Na figura da planta que nasce estão presentes a luz do sol e a água do solo.  No paraíso primordial havia a árvore da vida (Gn 2:9) e no celestial também a haverá (Ap 2:7).  O Espírito é a fecundidade da luz e do solo que brota na árvore da vida e faz da existência humana um paraíso.  Sobre estas metáforas, Moltmann conclui:
Nas metáforas místicas é suprimida a distância entre um sujeito transcendente e suas obras imanentes. Desaparecem as distinções entre causas e efeitos.  Nas metáforas da luz, da água e da fecundidade, o divino e o humano se encontram numa união orgânica.  Chega-se a uma interpenetração pericorética:  Vós em mim – eu em vós.  O divino passa a ser presença abrangente na qual o humano pode desdobrar-se produzindo frutos.  Com isto é insinuada uma relação mais íntima ainda que através do conceito de emanação (pág. 265).
Assim deve ser compreendido o Espírito da Vida – como uma pneumatologia integral.  Uma compreensão do Espírito Santo de Deus que vise abarcar todo ser humano e o ser humano todo; uma pneumatologia que “pressupõe Cristologia e prepara o caminho para a Escatologia” (pág. 30).  Uma pneumatologia assim certamente apontará para a realidade de um Espírito que ainda que seja o inteiramente outro, é o que está entre nós e o percebemos no cotidiano – um Espírito que ainda que esteja à direita do Pai, contudo tem compaixão e intercede por nós.

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