terça-feira, 30 de junho de 2015

Os títulos dos Salmos

O Livro dos Salmos é uma coletânea de diversos poemas.  Escritos originalmente em língua hebraica, alguns Salmos são bastante antigos e vários deles conservam ainda seus títulos originais – como eram chamados antes de serem conhecidos apenas pelo número que aparecem em nossas Bíblias.  Aqui vai uma relação deste títulos que foram conservados (detalhe – IBB é a versão da Imprensa Bíblica Brasileira).

sexta-feira, 26 de junho de 2015

PARA MINHA VÓ IDEA

A minha vó completou 70 anos.  Dizem que é ruim envelhecer, que a gente cansa, que a alegria não é mais a mesma de quando éramos criança.  Mas, pelo que eu conheço dela, é ótimo ter 70 anos – do jeito que ela tem.
Eu vejo minha vó fazendo o que gosta: ficar em casa, bordar e cozinhar.  Ela ainda é ocupada trabalhando na Igreja.
Ela gosta de ficar na companhia dos filhos – meu pai e meus tios – e do neto – no caso, eu.  Falando nos seus filhos, ela os criou muito bem, eu sei por que um deles é meu pai.  Ensinou eles a viverem pela Bíblia.
Não sei como foi o começo da vida dela – meu pai ainda não tinha nascido, quanto mais eu.  Me contaram que ela foi muito esperta e aproveitou bem a vida em Recife.
Namorou e casou com meu avô Jabes e veio morar aqui nesta cidade.  Fez muitos amigos e amigas.  Acho que ela é mais de Sergipe do que de Recife.  Ela foi professora – é capaz de ter alunos delas aqui.  Mas,– ah!– se aposentou.
Sei que tudo que ela ganhou foi dado por Deus, inclusive eu, meu pai e meus tios.  Ela gosta que eu vá para a casa dela.  Sempre que podem, ela e meu avô fazem meus gostos, mas claro, também me educam.
Obrigado, minha vó, pela felicidade que me deu e digo: PARABÉNS por seus 70 anos.

André escreveu este texto em junho de 2006, quando tinha 11 anos, para ser lido no culto de gratidão de sua vó Idea Nogueira.

terça-feira, 23 de junho de 2015

HEBREUS E O ANTIGO TESTAMENTO

Um dos fatores principais para a compreensão global de texto aos Hebreus é a sua percepção e como  ele usa e entende os textos do Antigo Testamento.  Maneira esta que parece destoar de todo o restante dos escritos do Novo Testamento.
A visão peculiar e característica que Hebreus tem do AT começa pela forma própria de suas citações.  Usando sempre a LXX numa versão similar ao Codex Alexelandrinus, sem dar muita importância ao texto massorético, o autor introduz as citações de maneira única no NT: "Deus (ou Cristo, ou ainda o Espírito) diz: ..." mesmo quando o texto do AT se refere a Deus na terceira pessoa.  Demonstrando que as palavras saíram diretamente da boca divina.  Com essa fórmula introdutória – diferente da: "Está escrito..." mais comum no restante do NT – o autor se libera para obter uma "nova compreensão da Escritura a partir do discurso escatológico da parte de Deus através de Cristo" (L. Goppelt).
Livre desta forma, o autor segue um método exegético distinto do restante do NT não vendo a relação AT-NT com uma relação apenas profecia-cumprimento mas sim um diálogo com Deus falando a Cristo ou esse à igreja e esse e aquela respondendo através dos próprios textos sagrados.  Mas tais associações não são feitas de modo aleatório.  Segue algumas regras: a) aplicadas a Cristo são as palavras sobre o rei de Israel (Sl 2 em Hb 1:5 e 5:5), sobre o caminho do justo (Sl 22 em Hb 2:12), referente aos profetas (Sl 110 em Hb 1:10) e b) em analogia, uma palavra dirigida a Israel é aplicada diretamente à igreja (Sl 95:7 em Hb 3:7).
Porém o elemento mais importante para observação de como Hebreus vê o AT é a sua tipologia.  Com base na compreensão tipológica, a migração israelita pelo deserto mostra-se com tipo para a situação atual da igreja e o ato expiatório do sumo sacerdote no AT com modelo da obra e sacrifício de Jesus.  Para justificar essa interpretação ele usa então um texto do próprio AT – compare Jr 31 com Hb 8:8).  "Portanto não se trata de um jogo alegórico com letras inspiradas mas do aproveitamento de uma relação entre a ação de Deus na antiga e na nova aliança, relação esta instituída pelo próprio Deus" (L. Goppelt).

 


Você pode ler um ensaio sobre o texto aos Hebreus no livro ENSAIOS TEOLÓGICOS

Disponível no:
Clube de autores
amazon.com

Conheça também outros livros:
TU ÉS DIGNO – Uma leitura de Apocalipse
DE ADÃO ATÉ HOJE – Um estudo do Culto Cristão
PARÁBOLA DAS COISAS

sexta-feira, 19 de junho de 2015

GUARDA-TE

Relendo os conselhos pastorais dados a Timóteo na sua primeira carta encontrei a seguinte instrução: Tem cuidado de ti mesmo e do teu ensino; persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem (1Tm 4:16).  Esta advertência me trouxe a mente o cuidado que não somente os líderes eclesiásticos devem ter, mas as servas e servos de Deus no seu viver diário.  A vida cristã exige atenção e cuidado (lembro ainda sobre isso as palavras paulinas em 1Co 10:12).
Ampliando o conceito e procurando nas páginas sagradas sobre como aplicar as diretrizes bíblicas encontrei nos livros de sabedoria e poesia do AT referências bastante ilustrativas.  Vejamos algumas.
O mestre filho de Davi diz: guarda o teu pé quando fores à Casa de Deus (em Ec 5:1).  Compreendendo a figuração do texto, é-nos indicado sobre a necessidade de haver reverência com as coisas sagradas.  Mais do que um ritual de lavagem de pés (e o que Jesus fez em Jo 13 é riquíssimo em lições, mas não é o caso aqui!), o que o sábio está instruindo é sobre o cuidado em se guardar de profanar o lugar e o momento de estar na presença do Senhor; dar a ele o valor devido e reconhecer com gratidão e devoção o privilégio que é desfrutar da presença e proteção divina.
Ainda na poesia dos Salmos, os coraítas demonstraram bem qual a extensão deste cuidado ao reconhecer que um dia na presença e na Casa do Senhor é melhor que mil noutro lugar (leia em Sl 84:10).
É de Davi a instrução para guardar a língua do mal (veja o Sl 34:13).  Este é um tema bastante recorrente em toda a Bíblia.  Provérbios chamam a atenção para a realidade de que a morte e a vida estão no poder da língua (o verso é Pv 18:21) e Tiago pondera que um órgão tão pequeno como a língua pode causar bastante destruição se não for controlado (no NT em Tg 3:1-6).
Neste sentido o louvor de Davi se enche de significados quando ele exalta o Senhor por ter colocado em seus lábios um cântico novo e um hino de louvor ao nosso Deus (é o Sl 40:3).
Uma última indicação vem do livro dos Provérbios: Guarda com toda a diligência o teu coração (Pv 4:23).  É certo que dele procedem as fontes da vida e ele representa o centro de toda a nossa existência então mais que um cuidado com o cardiologista, a instrução bíblica é para ter atenção e cuidado com aquilo que trazemos e levamos em nossa vida; aquilo que reputamos como importante em nossa existência.  Além disso, o próprio sábio faz um convite amoroso para que seu filho lhe dê seu coração (atente a Pv 23:26).
Sobre isso a observação de Jesus é por demais pertinente: onde eu guardo meu tesouro eu coloco meu coração (leia Lc 12:34), logo se meus tesouros são celestiais e santos, toda a minha vida estará guardada na casa do Pai.
Quero concluir esta reflexão pedindo ao Senhor que nos ajude a guardar nossos pés, nossa língua e sobretudo nosso coração, pois só assim poderemos encontrar a salvação para nós e para os que nos ouvem (volte a 1Tm 4:16).  Que nos faça assim para glória divina.

(Este texto é uma republicação de ibsolnascente.blogspot.com – 8 de outubro de 2009)

terça-feira, 16 de junho de 2015

O Novo Testamento e seu vocabulário

Veja algumas curiosidades do vocabulário grego que aparece no Novo Testamento.  Estas estatísticas eu as encontrei no Analytical Greek New Testament (AGNT2) de Timothy & Barbara Friberg.

* O NT grego possui 5.388 palavras diferentes, em 7.941 versículos. O número total de palavras contidas em o NT é de 138.019.
* Destas 5.388 palavras, a grande maioria, mais de 3.000 palavras, aparece apenas uma, duas ou três vezes em o NT.
* A cada sete palavras há um artigo definido.
* A cada quinze palavras há uma conjunção “e”.
* A cada vinte e cinco palavras há um pronome.
* As 10 palavras mais usadas somam cerca de 45 mil do total, enquanto que as 170 palavras que aparecem mais de 100 vezes cada somam cerca de 100 mil do total de vocábulos do NT.
* Os substantivos são 2.368 e aparecem em 28.365 formas diferentes.
* Os verbos são 1.839 e aparecem em 27.773 formas diferentes.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

O PEIXE E O CRISTIANISMO

Durante os primeiros tempos de sua existência, o cristianismo sofreu severas perseguições.  Os seguidores de Cristo se viam ameaçados por todo o lado.  Então eles encontraram uma maneira de declarar a sua fé, de se identificarem uns aos outros com relativa segurança e até de disporem de um recursos altamente didático para se referirem à sua fé: O PEIXE.
A figura do peixe sempre esteve ligado ao movimento de Jesus.  Veja: alguns de seus primeiros seguidores viviam da pesca – lembra de Simão Pedro e sua equipe?.  Ao multiplicar pães, os peixinhos também estavam lá.  Depois da ressurreição, Jesus serviu um bom churrasco de peixe à beira-mar para motivar a reunião de restauração de Pedro.  E tem mais: como símbolo de vida e alimento, o peixe é sempre oportuno.  Então serviu como modelo.
Mas tinha a questão do nome.  E penso que este foi o fator mais importante.  Na língua grega, entre as comunidades onde o cristianismo chegou desde o início a palavra peixe – Ίχθύς – fornece um anagrama – um jogo de palavras a partir das suas letras – que expressa o resumo da fé do cristão: Jesus Cristo, Filho de Deus – Salvador.
Além de ser facilmente rascunhado em qualquer lugar.
E foi assim que aquelas primeiras gerações de cristãos saíram marcando sua trajetória com o símbolo do peixe em todo canto que chegavam: iam se identificando, declarando a sua fé em Jesus Cristo como o único e verdadeiro Filho de Deus e como o suficiente Salvador e Senhor de suas vidas.
E nos deixaram este legado.  Por esse peixe, homens e mulheres de fé, a maioria deles permanecem anônimos para nós até hoje, deram as suas vidas para não negar o Jesus Cristo o qual reconheciam como Filho de Deus e Salvador.  Valia a pena viver e morrer por ele.  E foi assim que o cristianismo se propagou e chegou até nós.
Hoje eu vejo o peixe por aí em camisas, adesivos, capas, placas e estandartes e sei lá mais o quê.  Ele se tornou um bem de utilidade comercial – dá dinheiro!!!  O peixinho virou suvenir de crente!
Eu sei que o tempo é outro, mas e a fé? 
Entendo que talvez o nosso cristianismo tenha se tornado por demais confortável para precisar de algo parecido.  D. Bonhoeffer chamou isso de graça barata.  Talvez seja isso mesmo.  Ao nos acomodarmos com a graça, acabamos por esquecer o valor que ela tem.  E saímos por aí atribuindo valor ao que realmente não deveria ter. 
Em terra brasileiras nossa fé não precisa mais ser escondida.  Dizem que até dá status falar que "virou crente!".  Então nossas marcas e símbolos, outrora tão caros, já não valem vidas; valem cifrões!  Já não precisam ser escondidas e disfarçadas por segurança; devem ser expostas para poder ser vendida.
E a nossa fé virou isso aí.  Então eu pergunto: Será que já não precisamos de um outro peixe?  Será que já não precisamos novamente de um símbolo que nos faça marcar nossa vida com a declaração de nossa convicção de que só há um único Deus e Salvador: Jesus Cristo – será?
Bem, enquanto vasculho minhas idéias e almas alinhavando respostas, aí vai o anagrama grego do peixe:


terça-feira, 9 de junho de 2015

UM DEUS MATERNAL

Nas antigas tradições de Israel, encontramos uma dupla consciência de que Deus é adorado na singularidade de ser único Deus: por um lado, temos a memória do nome que é dado a Deus como o Deus dos pais (Abraão, Isaque e Jacó), com tudo o que esta palavra pode evocar de grave e afetuoso; e, por outro lado, temos a ideia de que Israel foi adotado como um filho de Deus, que se torna assim o Pai de Israel para adoção (Os 11, Jr 3:19).  Esta ideia paterna de Deus é profundamente positiva e o israelita percebeu essa certeza como um benefício.  Ter por pai da nação o criador de tudo é, sem dúvida, um elemento de confiança, se o meu destino depende dele que é meu Pai.  Então eu posso ter a esperança de redenção.
Ao mesmo tempo, a própria ideia de criação dá ao conceito judaico de Deus uma dimensão maternal inegável.  Nos países vizinhos, ao lado do Deus-Pai havia a sua Ashera, a esposa, porque o macho precisa da fertilidade feminina para criar.  No sentido da criação bíblica, porque só há um Deus, ele deve ser tanto masculino (pai) e feminino (mãe), então podemos concluir que a fé de Israel em Deus consiste na fé como um "pai-maternal" como princípio da criação. 
Agora, vamos ver se essa percepção é corroborada pelos dados bíblicos.  Partimos do texto que nos guia na reflexão (Gn 1:1-2 e 27-29): "Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou".  Este exemplo seria suficiente, mas ao longo da história a dominação masculina (patriarcado) relegou a dimensão feminina de Deus a uma metáfora sem praticamente nenhuma relevância na reflexão teológica.  Somente uma imagem que integra os dois aspectos da imagem divina (masculino e feminino) faz justiça aos dados bíblicos irrefutáveis. 
Deus cria e a criação acontece através da Ruach, espírito e hálito divino que é Neshama, respiração, vento.  A santa Ruach em hebraico é palavra feminina.  A criação é a implantação da Ruach divina que faz eclodir num oceano imenso e escuro o nascimento primordial e sagrado da vida.  A imagem é a de uma pomba que choca seus ovos.  Às vezes, como a carícia da brisa do vento (a Ruach levou Israel como o pastor leva o seu gado no deserto – Is 63:14), ou como um vento forte que separa o mar para que o povo opresso possa escapar do genocídio planejado por Faraó.
Outra imagem que reforça o conceito de pai-materno é o uso de dois tipos de expressões relacionadas com os órgãos reprodutivos femininos, que dão nome ao amor misericordioso e incondicional de Deus.  A primeira palavra é rachamim – palavra que descreve a clemência e a misericórdia de Deus.  A raiz desta palavra é requem que significa "útero", os rachamim então são as partes do corpo feminino, onde a vida cresce, onde a criança cresce, é protegido/a, recebe nutrição e é a primeira "casa" do ser humano – da qual sempre sentiremos falta após o nascimento.  Ao aplicar esta expressão para Deus, rachamim significa que Deus, como a mãe, sente dentro de si o mesmo tipo de amor altruísta e feito de pura graça, é um amor invencível contra a qual nada se pode fazer (Is 49:15 diz: "haverá mãe que possa esquecer seu bebê que ainda mama ... embora ela possa esquecê-lo, eu não me esquecerei do você!").  Ele evoca a intimidade do amor maternal que protege, conserva, perdoa de um modo tão misterioso e contínuo. 
A hesed divina é, portanto, o coração divino, desde o ventre de sua mãe, e apesar das infidelidades e pecados, renova o pacto, perdoa o pecado e dá ao pecador arrependido continuamente uma nova oportunidade para começar de novo o caminho de santificação.  A fé de Israel se volta para Deus, portanto, com esta profunda consciência de ser ele um pai com implicações maternas.  O Sl 77:9  numa tradução literal questiona se a ira de Deus encerrou a sua rachamim? Isto não é possível para Deus pois não pode "esquecer" sua hesed, sua compaixão misericordiosa.
Temos ainda a dimensão materna também na idéia de Sabedoria bíblica, hokma que às vezes é chamado de "filha de Deus".  O filho de Deus tem, portanto, características femininas, e não apenas masculinas, uma vez que Cristo é chamado "poder" (dynamis) e "sabedoria" (sophia-hokma) de Deus.  No capítulo 8 de Provérbios a Sabedoria é uma mãe que infunde e transmite a sabedoria da vida a seus filhos e filhas para que eles possam aprender os mandamentos por meio do temor a Deus, para ocupar o seu próprio lugar de colaboradores de Deus no cuidado da criação e dos outros e não para a sua destruição ou dominação perversa.  
Finalmente, encontramos no Novo Testamento a palavra que define Deus no feminino:  agape.  O pai de Jesus é agape, amor e isto está em perfeita continuidade com o que vimos no Antigo Testamento: é o amor agape de Deus, o pai-materno, que se derrama sobre o mundo (o primeiro filho) e dá a si mesmo, o Filho, o amado, para salvar e redimir um mundo que de outra forma estaria perdido.  Essa idéia de Deus "derramar" seu próprio Filho sobre o mundo pecaminoso e perdido  é então acompanhada pelo dom do Espírito, quando o Filho retorna ao pai-materno.  Deus continua a derramar o seu ser amor pelo carisma total Pneuma (palavra que traduz o hebraico Ruach no grego: Espírito).  Deus mesmo está se derramando sobre o mundo, sobre as relações humanas desfiguradas pelo pecado, para criar novas relações de filiação e dependência paterna e materna.
Deus não esconde dentro de si infernos ou paraísos para trazê-los no fim dos tempos, mas dentro de si ele é um Deus pai-materno.  Este é o princípio inclusivo divino que nós agora reconhecemos completamente na obra divina desde o início e que, por séculos, foram ofuscados por teologias inadequadas e que têm obscurecido a realidade da Trindade divina.

Texto escrito por Martin Ibarra.  O original em italiano intitulado: Il nostro Dio è un Dio "maternale" pode ser lido em http://www.chiesabattistadimilano.it

terça-feira, 2 de junho de 2015

JESUS – O nome de Deus no Novo Testamento


A fé e a doutrina abraçadas pelos cristãos do primeiro século e expressas nas páginas do Novo Testamento atesta que era ponto inquestionável que em Jesus Cristo  “habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 1:2).  Para a igreja primitiva, Jesus de Nazaré é a encarnação do Deus vivo que conduziu o povo de Israel, se revelou a ele e agora completa a sua obra, tornando-a definitiva.  Ao ler nos lábios de Jesus a frase: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10:30), na verdade o evangelista está afirmando categoricamente que há não apenas uma relação de continuidade entre Jesus e o Deus do antigo pacto mas que os dois compartilham da mesma essência.  E sendo assim, todos os atributos e predicados que podessem ser reconhecidos como de Deus, deveriam igualmente ser atribuídos a Jesus Cristo.
Alguns aspectos deste reconhecimento divino da pessoa de Jesus podem ser compreendidos a partir da análise dos nomes atribuídos a Deus e a Jesus.  A palavra grega Θεός que se traduz Deus é usada como termo genérico e, em relação às citações do A.T., traduz Elohim.  Já a palavra Κύριος – Senhor – traduz o Tetragrama Sagrado e igualmente é usada como uma referência a Jesus.   Mas é do mesmo evangelista João a expressão mais significativa de reconhecimento da divindade de Cristo: no verso 8:58 Jesus diz que antes de Abraão “Eu sou” – Έγώ είμί  – e, compreendendo como verdadeira a relação entre o nome de Deus revelado no Sinai e o verbo ser, como propõe Êx 3:14, então na verdade Jesus está se declarando como o Javé encarnado.  Os judeus devem ter compreendido esta relação, assumida por Jesus ao se apresentar como Javé, pois o acusam de blasfêmia e procuram apedrejá-lo.
Teologicamente é compreensível a implicação soteriológica presente pouco antes no verso 24: “... se não crerdes que eu sou, morrereis em vossos pecados.”  A única possibilidade de não se morrer nos pecados, e alcançar a salvação, é crendo que Jesus é o “Eu sou” – Έγώ είμί / יהוה.   Paulo escrevendo aos Romanos atrela definitivamente a soteriologia à invocação, ao reconhecimento e à confissão do nome do Senhor: “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (10:13), afinal “se com tua boca confessares a Jesus como Senhor (...) serás salvo” (10:9).  E aqui novamente a palavra grega – Κύριος – que deve ser confessada em relação a Cristo é a mesma que no verso 16, pouco abaixo, é usada para traduzir o Tetragrama citado em Is 53:1.
Ainda é bom lembrar que o nome que o anjo anunciou a Maria que deveria ser colocado no filho que estava sendo gerado em seu ventre pelo Espírito Santo era Jesus (Lc 1:31) – em hebraico יהושע que pode ser traduzido: Javé é Salvação/Salvador.  E a José o anjo explica a razão do nome: “porque ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1:21).  O nome de Jesus já anuncia a sua missão.  Mantendo a maneira oriental de compreender o nome como uma expressão exata do ser que o possui, então aquela criança ser chamada de Jesus, desde a sua concepção, é um atestado de que ele seria o instrumento no projeto de Deus para salvar a humanidade.
Deus se apresentou a Abrão como o El Shadday, o Deus Todo-Poderoso.  No N.T. Jesus reivindica para si todo o poder (Mt 28:18), e é no seu nome que este poder se faz manifesto.  Ao voltarem de sua missão, os setenta reconhecem a Jesus: “Senhor, em teu nome, até os demônio se nos submetem” (Lc 10:17).  Também é através do poder contido no nome de Jesus Cristo que Pedro e João fazem o coxo se levantar na porta do templo (At 3:1-10 e 4:10).  No nome de Jesus há poder suficiente para submeter os demônios e para curar os males humanos.  Todo o poder expresso no nome Sagrado revelado agora está disponível no nome de Jesus; nome pelo qual os cristãos oram e em quem depositam confiança.
Finalmente, no hino cristológico, o apóstolo Paulo reconhece que Deus está convergindo todas as coisas para a glorificação do nome de Cristo Jesus.  Deus entregou o seu próprio Filho à humilhação da cruz e no fim “Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, na terra, e debaixo da terra” (Fl 2:9-10).  Todo o culto e toda a adoração, por toda a eternidade, está destinada ao nome Jesus – o verdadeiro Filho do verdadeiro Deus.  E é exatamente este o canto triunfal que João testemunha no céu: 

Grandes e fascinantes são as tuas obras,
ó Todo-Poderoso Senhor Deus.
Justos e verdadeiros são os teus caminhos,
ó Reis dos povos.
Quem não vai te temor, ó Senhor,
e quem não vai glorificar teu nome?
Pois tu és o unicamente santo.
(Ap 15:3-4)



Você pode ler um ensaio completo sobre esse tema no livro
ENSAIOS TEOLÓGICOS

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