terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Tertuliano e a autoridade das Escrituras

Tertuliano sempre faz afirmações categóricas.  Seus postulados sempre são colocados de maneira tão convicta que nem sequer abre espaço para questionamento por parte de seus opositores.  Se naturalmente seu espírito já se mostra de estar em busca da verdade, sua formação acadêmica em advocacia lhe forneceu as armas para defendê-la de maneira a todas as vezes a sua visão da verdade mostrar-se como a única autorizada e absolutamente certa.  Mas suas afirmações não são feitas no vazio.  Tertuliano convoca sempre para si o peso das Escrituras Sagradas como aval das suas verdades.  Faz-se necessário também lembrar que eventualmente ele cita diversos autores como os da Filosofia greco-romana, mas nitidamente estas já não têm o mesmo valor das retiradas do texto bíblico.
Nosso pai latino não coloca em cheque em momento algum a autoridade dos textos sagrados que usa e nem sequer dá espaço para o levantamento da questão.  Para Tertuliano o texto bíblico deve ser tomado como normativo pela igreja por conta de ser obra da bondade de Deus (Adv. Marc. 2:4).  Mas a força da Escritura vai além: a Bíblia não é só uma dádiva divina, é principalmente a palavra de Deus.  Na sua Apologia, Tertuliano defende os cristãos frente ao império romano colocando o texto sacro nas mãos dos seus oponentes: Examinai a Palavra de Deus, nossas Escrituras (Apol. XXXI).  Logicamente não vamos pensar que Tertuliano fosse esperar que os magistrados do império romano lessem a Bíblia com os mesmos olhos dos cristãos, mas ele sabe que sendo as Escrituras um preceito que imperiosamente manda nos cristãos então estes só podem ser julgados levando-a em consideração.  Em resumo Tertuliano concorda com Paulo quando diz que toda a Escritura própria para edificar é inspirada por Deus (Fem. I 3:3 e 1Tm 3:16).
Cronologicamente Tertuliano pode ser considerado com o meio do caminho entre os apóstolos e o Concílio de Nicéia (ano de 325), mas ele já pensa como se estivesse às vésperas do Concílio.  Em Tertuliano pouco mais de um século se tem passado desde que apareceram os escritos dos apóstolos e estes já circulavam livremente nas diversas comunidades cristãs.  O Antigo Testamento também já estava devidamente incorporado ao uso da igreja – apesar da implicância de Marcião.  Eusébio de Cesareia informa que alguns textos eram lidos inclusive como parte da liturgia cristã.  Tertuliano usa então os textos que já eram conhecidos e usados pelos cristãos, mas já não questiona sua autoridade, como aos poucos começam a fazer seus contemporâneos cristãos.  Em outras palavras, muito da postura dogmática de Tertuliano com relação ao texto sagrado foi sinal de que esta postura já começava a ganhar corpo no seio da igreja cristã no segundo e terceiro século de sua história e de que Tertuliano foi um dos principais influenciadores.
Mas Tertuliano enfrenta um problema que ainda é problema para nós cristãos hoje: pontos de vista diferente e interpretações várias cabem à Bíblia.  Sendo assim, qual seria a leitura autorizada?  A posição de Tertuliano é clara em relação a este problema, ele afirma que tão longe estão os homens de acreditarem na nossas Escrituras, das quais ninguém se aproxima senão quem já é cristão (De Test. Animæ I).  Mesmo essa assertiva ainda podia indicar uma multiplicidade de interpretações, pois no próprio meio do cristianismo há diferentes leituras do texto bíblico.  Para Tertuliano aqui também não existe problema.  Don Auletta na sua introdução ao texto sobre a Prescrição contra os Hereges soube interpretar bem este ponto de vista de Tertuliano: “só a igreja é legítima depositária e proprietária das Sagradas Escrituras, porque só ela pode demonstrar, possuir estes tesouros, por meio da tradição apostólica”.  Nas palavras do próprio Tertuliano:

É evidente então a força da nossa tese, de que os hereges se não deve admitir a discutir as Escrituras, pois nós, sem recorrer a ela, podemos provar que eles nenhum direito têm à Escritura.  Com efeito, se são hereges não são cristãos, pelo fato de não terem recebido de Cristo aquilo que por própria iniciativa admitiram na qualidade de hereges.  Se não são cristãos não podem invocar nenhum direito à literatura cristã. (De Præsc. XXXVII).


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