terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Tertuliano: A Bíblia e a Filosofia

Gostaria de pensar um pouco sobre a relação entre a Bíblia e a Filosofia em Tertuliano.  Serão considerações rápidas.  Tertuliano teve uma formação acadêmica e filosófica invejável na cidade de Roma e mesmo quando aceitou o cristianismo manteve sua mente filosófica, quer na maneira de argumentar, quer aproveitando as citações da Filosofia.  Tertuliano foi por formação advogado mas em nenhum momento descuidou do mundo filosófico.  Se ele pôde ser um árduo defensor da verdade cristã, ele o foi porque usou todos os recursos que tinha à mão, inclusive da Filosofia da sua época.
Em dois momentos específicos Tertuliano demonstra conhecer profundamente a Filosofia e a cultura latina clássica e contemporânea sua.  Em De Præsc. XXXIX ele cita Virgílio e Ovídio, mas o faz como uma espécie de ponte entre as idéias dos seus adversários e as das Escrituras.  Nesta passagem, para Tertuliano, o que os hereges fizeram foi apenas mutilar as Sagradas Escrituras como o fizeram os remendões poéticos com os autores clássicos.  O outro exemplo é na exortação aos mártires, que Tertuliano faz um paralelo entre os preceitos do Senhor em Mateus e os fatos da história recente e da Filosofia greco-romana.  Aqui o objetivo é claramente fazer sobressair o texto bíblico sobre a própria Filosofia (cf. Ad. Mart. IV : 1).  Em ambos os casos Tertuliano usa a Filosofia somente com o objetivo de fazer provar seu ponto de vista.  Não vendo assim um valor normativo de verdade,  Tertuliano usa a Filosofia somente por ser rica em exemplos que podem ser usados para ilustrar seus argumentos.
Mesmo usando do recurso da Filosofia, Tertuliano não consegue aceitar a hermenêutica filosófica pois ela é a mãe das heresias (De Præsc. VII).  Em todos os seus argumentos contra os hereges este ponto se mantém inalterado para Tertuliano: os hereges apresentam uma leitura diferente do texto bíblico exatamente porque deixaram o caminho da igreja e deram ouvidos aos filósofos, ou seja, ouvir Platão, Epicuro ou Aristóteles implica em não ouvir Jesus e Paulo.  A questão levantada por Tertuliano é a seguinte: que haverá de comum entre Atenas e Jerusalém? entre a Academia e a Igreja? entre os hereges e os cristãos?  Para Tertuliano, Filosofia e cristianismo sempre que se casaram tiveram como resultado a heresia.
Mas Tertuliano não tem como negar que alguns pressupostos filosóficos se alinham com as verdades cristãs.  Por mais que a Filosofia esteja na gênese da heresia, na própria Filosofia encontramos muitos pontos em concordância com os princípios cristãos.  Para Tertuliano, neste caso, mesmo que assim fosse, as divinas Escrituras são muito anteriores aos livros profanos (De Test. Animæ V).  A comparação aqui é especificamente entre os textos do Antigo Testamento e dos gregos clássicos.  O motivo alegado para a superioridade dos primeiros sobre os últimos é simplesmente cronológico.  Se há alguma concordância entre a Bíblia e a Filosofia é porque os gregos copiaram algumas verdades dos judeus e reproduziram-nas na sua Filosofia.  Sendo assim a Filosofia só vem comprovar posteriormente o valor da verdade cristã já provado a princípio pelos judeus.

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