terça-feira, 31 de maio de 2011

Fruto do Espírito - AMOR

Notadamente Jerônimo teve problemas para traduzir a palavra grega agápe quando produziu a Vulgata.  Em vez de amor (em latim é assim mesmo), que na época já tinha a conotação sensual de hoje.  Ele preferiu caritas.  Muitas edições modernas o seguiram (em português veio a ser caridade).  Contudo isto não é inflexível.  Em português e espanhol já é comum ler em Gl 5:22 o amor como fruto do Espírito.  Igualmente Lutero preferiu a forma liebe em alemão, bem como a versão do Rei Tiago em inglês optou por love.  E se o seu caso for curiosidade, aí vai: em italiano amore, em francês amour, em holandês liefde, em sueco kärlek e mais longe em romeno dragostea.
Todo este parágrafo introdutório é apenas para dizer que mais que uma expressão poética ou uma experiência sensorial, o primeiro bago da jaca do Espírito é a essência de Deus em minha vida.  Veja que na primeira carta de João eu leio explicitamente: Deus é amor (em 1Jo 4:8). Assim posso compreender que a primeira coisa a me tomar e me envolver quando frutifico no Espírito é o cheiro e visgo essencial do próprio Deus.
Sim, e como identificar este amor divino em minha vida?  Como me impregnar dele de modo a contagiar outros como faz a jaca?  Baseado na resposta de Jesus sobre os dois grandes mandamentos (leia Mt 22:37-39), entendo que para dar respostas às questões seja preciso apontar nas duas direções.
O mandamento primordial é o amor a Deus com o fundamento do meu ser – coração, alma e entendimento. Isto quer dizer que não somente o meu lado espiritual (confesso que acho esta expressão ambígua e curiosa!), mas toda minha razão e emoções têm que ser colocadas no altar de Deus.  E lembro que o Mestre falou em renúncia e cruz como marca do discipulado (veja em Mt 18:24 e Lc 9:23).
 Somente quando sou capaz de colocar o Senhor como minha prioridade absoluta (anterior inclusive que minha própria vida, futuro e conforto) é que posso dizer que a jaca do Espírito está amadurecendo em minha vida.
Semelhante a este, o segundo grande mandamento fala em dispensar aos outros um amor similar.  Neste caso meus olhos se voltam novamente à carta de João: como posso dizer que amo a Deus que não vejo se não sou capaz de demonstrá-lo ao meu irmão que vejo e toco? (confira em 1Jo 4:20).  É indispensável a quem vive no Espírito que suas atitudes para com o próximo demonstrem reproduzir o amor, acolhimento e doação voluntária próprias de Deus.
O cheiro e o visgo da jaca do Espírito só começam a efetivamente serem reais em minha vida quando ela está tomada de ações concretas de amor que alcancem e influenciem a vida de outros (não se esqueça da parábola do bom samaritano em Lc 10:30-37).
Este é o primeiro bago da jaca do Espírito.  Que eu possa começar com ele para que toda a fruta seja real em minha vida.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

SOB AS ÁGUAS

Nesta última terça-feira, Aracaju esteve sob as águas de um temporal.  Foi realmente muita chuva, o que provocou um princípio de caos na cidade.  Por ter nascido e vivido nesta cidade entendo que isto ocorre, um pouco pela falta de planejamento urbano para enfrentar situações como esta, mas também – e eu diria principalmente – por que nossa cidade foi edificada sobre mangues e quando a água que vem do ceu encontra seu caminho cheio das águas da maré, torna-se impossível escoar.  E não adianta lutar contra as leis da natureza!
Imagem do Bairro 13 de Julho em Aracaju na década de 1960, 
onde dá para perceber que a cidade foi construída sobre mangues.
Deixando de lado as questões sócio-ambientais e de urbanismo – sei que há fóruns especializados nisto – preciso hoje colocar meus olhos teológicos sobre a situação.
Agora que o ímpeto das águas arrefeceu, começo procurando pelo arco-íris e não sei se não consegui vê-lo por que as chuvas ainda haverão de cair, ou se por que já há tanto concreto nesta terra que o ceu não está mais à mostra.  Ambos os casos exigem de mim uma séria reflexão bíblica.
Quando o ceu não pode mais ser contemplado; quando ele já não está ao alcance da minha vista e realidade; quando a sua perspectiva já foge do meu alcance; muito provavelmente seja porque eu já não esteja dando a necessária relevância aos assuntos de cima.  Tão ocupado estamos com os afazeres do cotidiano que o Reino de Deus fica em segundo plano (em Mt 24:36-39 Jesus faz um alerta para dias assim!). 
É então que eu preciso realmente procurar o arco-íris.  O arco no ceu foi estabelecido por Deus logo após passarem as águas do dilúvio.   Segundo a narrativa bíblica, Noé e sua família saíram da arca, o patriarca edificou um altar, Deus se agradou do cheiro do holocausto e então fez uma aliança com a humanidade de nunca mais haver outro igual e depois se referindo ao arco nas nuvens declarou: "Esse é o sinal da aliança que estabeleci" (confira a história em Gn 8-9 e a citação em Gn 9:17).
O arco no ceu deve me fazer lembrar que mesmo sob as águas, em meio a todo o caos urbano e tormentas da vida, eu ainda posso confiar num Deus de alianças que continua favorável a mim.
Mas há um outro aspecto a se observar.  E aqui tiro os meus olhos do ceu e os aponto na horizontal, para meu povo sergipano.  Se ainda haverá chuvas, e elas tendem a ser destruidoras, cabe a igreja, enquanto emissária de Deus na terra, em primeiro lugar se solidarizar com as vítimas sob as águas (entendo as palavras de Jr 29:7 como dirigidas a minha realidade).
Só que não pode ser só isso!  Só pedir a Deus que mande alguém para suprir as necessidades dos carentes é disfarçar e fugir da responsabilidade (preciso confessar que também sou tentado a fazer está oração e me manter na zona de conforto e preguiça espiritual – isto também é pecado conforme 1Jo 4:20-21).
As águas sob as quais minha cidade se viu submersa devem me desafiar, enquanto igreja de Cristo, a assumir a responsabilidade e compromisso de encarnar meu verdadeiro cristianismo entre aqueles que precisam de forma concreta conhecer e reconhecer o poder transformador do evangelho que prego.
Ao tempo que agradeço a Deus por que minha casa resistiu ao temporal e minha igreja continua reunida em oração, mesmo sob as águas.  Oro para que o Senhor não nos permita deixar de ver o arco nas nuvens nem de estender as mãos a quem precisa nesta hora.  E nisto o Pai será glorificado.

terça-feira, 24 de maio de 2011

O FRUTO DO ESPÍRITO - a jaca

Já pelo final na Carta aos Gálatas, Paulo faz uma relação de atitudes ou virtudes que ele mesmo caracteriza como fruto do Espírito (leia em Gl 5:22-23).  O apóstolo vinha se ocupando de explanar que em Cristo todos fomos chamados à liberdade (volte a Gl 5:13) e, na continuação do argumento, ele apresenta a oposição entre as obras da carne e o fruto do Espírito.  E desta relação simples, direta e objetiva muita coisa pode ser dita.  Queria hoje começar a ver melhor este fruto.
No grego que tenho em minha mão aqui a expressão é assim mesmo no singular: fruto.  Talvez isso não seja novidade para quem está acostumado a um estudo mais amiúde do texto.  E por isso mesmo já vi muitas ilustrações que tentaram explicar este fruto único com manifestações diferenciadas.  Não vou entrar nos detalhes. 
Veja a minha proposta.
Aqui no meu rico Nordeste brasileiro temos uma quase infinita variedade de frutas bem nossas, cada uma com seu jeito próprio e diferente (se você nunca provou carambola ou manga tirada de vez do pé, não sabe o que está perdendo!).
Mas deixe-me voltar ao fruto de Espírito.  Penso que nenhuma fruta desta terra representa melhor a ideia apostólica que a jaca.  Sei que botânicos e teólogos poderão apresentar argumentos diversos e derivados contra ou a favor da minha escolha.  E até eles tenham razão.  É verdade ainda que ela tem um nome científico bem pomposo: artocarpus heterophylla.  Só que os motivos de minha ilustração é bem mais prosaico: o fruto do Espírito é um fruto, assim como uma jaca é uma jaca.  Siga o meu raciocínio para entender está afirmação óbvia.
Em primeiro lugar a jaca nasce e se desenvolve bem ligada à jaqueira.  O talo é pequeno para uma fruta daquela dimensão, mas ela fica ali grudada até que seu próprio peso a derrube.  Neste momento, com a queda, ela se parte e pode oferecer-se a uma gama de animais que dela se servem.
É fácil lembrar as palavras de Jesus e associá-las à jaca: Vocês também não podem dar fruto se não permanecerem em mim (a citação é do final de Jo 15:4, mas considere todo o texto).  Assim entendo que Jesus disse que se eu estiver nele como a jaca na jaqueira, vou conseguir maturar naturalmente o fruto do Espírito que por sua vez servirá a muitos.
Contudo duas outras características me chamam a atenção e são por demais relevantes para caracterizar a jaca como o exemplo apropriado ao fruto do Espírito.
Em primeiro lugar há a sua forma: a jaca é um conjunto de bagos.  Cada um destes bagos traz em si um caroço (semente) e um pouco de carne que para mim serve principalmente para ser comido.  E como é gostoso!  Mas cada bago só nasce, cresce e amadurece envolto na casca da jaca.  Mesmo que o bago pareça individual, a jaca só é jaca no conjunto da fruta.
Atente para isso: o fruto do Espírito, em cada uma de suas manifestações pode, e deve, apresentar por si as marcas próprias; mas é no conjunto do fruto, abrigado sob o próprio Espírito que ele se faz completo.
O mais peculiar, contudo da jaca é seu visgo e seu cheiro.  Se você não sabe o que é isso, experimente deixar uma jaca aberta em sua geladeira por dois dias e depois veja que até a água nas garrafas ali dentro estarão tomadas por seu cheiro e gosto inconfundíveis.  Do mesmo jeito, o visgo fica preso na mão de quem pega seus bagos direto na fruta.
Assim é o fruto do Espírito.  Ele tem visgo e cheiro tão marcantes e característicos que quando estão presente na minha vida, não tenho como disfarçá-los: ele toma conta de tudo.
Daí posso dizer que a proposta de Paulo foi que produzíssemos jacas do Espírito em nossas vidas cristãs, afinal, se vivemos pelo Espírito, andemos também pelo Espírito (conclusão apostólica em Gl 5:25).
Então, quero lhe convidar a compartilhar comigo algumas reflexões sobre a jaca do Espírito e a partir delas nos impregnar do seu visgo e cheiro produzindo aquilo para o qual fomos liberados.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

NAS MONTANHAS DE GILEADE

Na geografia das terras bíblicas, Gileade é o nome de uma região montanhosa – e por extensão uma cidade ali situada – a oriente do Jordão nos confins das tribos de Gade e Rubem (atualmente fica na Jordânia – aí do lado uma imagem atual – fonte: wikipedia.org).  No relato da Bíblia, foi ali que Jacó armou suas tendas quando resolveu deixar a casa do sogro e voltar para Canaã (confira em Gn 31:25).  Não muito longe dali ficava a passagem do vale de Jaboque (importante na narrativa de Israel em Gn 32:22).  Também naqueles rincões ficava Tisbe, a cidade natal do profeta Elias (leia em 1Rs 17:1).
Mas certamente o que tornou aquela região famosa até os dias de hoje foi o fato de ela ter sido nomeada como cidade-refúgio e moradia de levitas por Josué (em Js 21:38) e por possuir uma fonte de águas medicinais (atente que Jeremias cita o seu bálsamo em Jr 8:22).
Creio, porém, que não seria forçar nem a ciência geográfica nem os compêndios de teologia bíblica do Antigo Testamento se eu me propusesse a aplicar um método alegórico para interpretar Gileade como uma referência a Deus.  E com esta ressalva e permissão, vamos a ela.
A primeira referência é a Gileade como cidade-refúgio.  Nas instruções para a ocupação da terra prometida, já nas portas da conquista, estava a de se separar algumas cidades para que os levitas habitassem (leia em Nm 35:2).  E entre estas cidades ainda se deveriam escolher as que poderiam ser usadas para abrigar aqueles que fossem acusados de homicídio – pelo menos um cada tribo.  Na partição, Josué apontou Gileade como cidade moradia de levitas e refúgio onde os fugitivos podiam se abrigar.  Ali seria um lugar seguro de se viver sob a proteção levítica.
Pensando em Deus como nosso refúgio, posso citar vários salmos que assim o reconhecem (veja, por exemplo, os Sl 46:1 e 90:1).  O Senhor tem sido para nós um Gileade, um abrigo seguro em tempos difíceis de perseguição e solidão.  Quando a vida vem contra mim ameaçando-me, quando as portas se fecham e as perspectivas são sombrias; sei que sempre haverá um refúgio para onde poderei ir e lá haverá para mim acolhimento e sossego (leias as palavras de 2Tm 1:12 nesta intenção).
Gileade também é o lugar do bálsamo (ainda hoje se canta isso!).  As suas fontes de água mineral favoreciam a formação de resinas medicinais que eram requisitadas como caros remédio e artigos de luxo e que, por isso, eram tanto exportados como atraiam visitantes de longe que buscavam a cura através de seus banhos.
Mais uma vez voltando meu pensamento para Deus, ainda posso ler no texto sagrado referências ao Senhor como aquele que cura (note que o Sl 147:3 é bem explícito quando afirma que só o Senhor cura os de coração quebrantado).  Mas quando a dor e ferida estão abertas em minha vida – e aqui não faz diferença de a chaga é espiritual, moral ou física – a verdadeira garantia que eu tenho é saber que Cristo já a levou no Calvário (garantia profética em Is 53:5).  Há sempre bálsamo curativo advindo da cruz.
Assim como no passado dos filhos de Israel quando as montanhas de Gileade se mostraram como um lugar de refúgio seguro e fonte de saúde, e para lá acorriam muitos; que também possamos hoje nos valer do nosso Senhor, a verdadeira fonte de segurança e bálsamo para aqueles que creem.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

CEAI COMIGO

Depois de mais de uma dezena de anos no exercício do pastorado, o Senhor me convocou e trouxe de volta à PIBA (já comentei sobre isso em "voltei a escrever").  Aqui tenho vivenciado algumas experiências renovadoras para as quais eu realmente já não estava acostumado.  Realmente há uma nova configuração do ministério pastoral e com ela, novas lições a serem aprendidas, além de algumas outras velhas lições sobre o Reino de Deus que necessitavam ser reafirmadas.  Deus bem o sabia.
Algumas destas vivências estão no contexto da celebração da Ceia do Senhor – e como gosto de celebrá-la. 
Mas antes de prossegui nesta trilha, deixe-me justificar o título.  A expressão ceai comigo não se encontra, nesta forma, citada na narração dos evangelhos, contudo o convite até intimista de Jesus aos seus discípulos naquela noite pascal parece indicar que o Mestre nos convida a sentar à mesa já posta para com ele cear.  Assim, pelo menos duas experiências revigorantes depois de mais de uma dezena de anos celebrando a Ceia do Senhor fizeram novamente ecoar em mim o convite: ceai comigo.
Auxiliando o ministério da Igreja, o Senhor me levou a ministrar a Ceia e celebrá-la em pequenas comunidades, algumas vezes com menos de uma dúzia de fieis juntos.  Sem a pompa e o glamour das catedrais e metrópoles, mas com a certeza da presença real de Cristo na reunião (lembre que ele prometeu em Mt 18:20).
Pois tem sido no meio de congregações onde oficiar a Ceia se faz ao som de cânticos sem refinamento técnico-musical, distribuir os elementos mais parece um compartilhar dos mistérios sagrados; e onde os paramentos eclesiásticos dão lugar à espontaneidade da liturgia e dos atos de culto; tem sido ali que Deus tem me feito lembrar que o seu Reino não consiste no comer ou desfrutar dos luxos ou confortos da modernidade (Rm 14:17 grita este conceito).
Como tem sido maravilhoso comer e beber a Ceia na companhia dos privilegiados do Pai.  Aqueles em cuja simplicidade Deus tem feito manifesta sua glória!
Outra experiência significativa, depois de uma dezena de anos, foi celebrar a Ceia do Senhor no imponente templo da sede só que sentado entre os cultuantes e não posto no altar oficiando a cerimônia – veja que isso não é comum para um pastor no exercício de sua função.  Mas como foi bom receber passivamente os elementos enquanto a ceia se desenrolava (a associação foi direta a Jo 10:15 e a doação voluntária de Cristo).
É claro que o inusitado de receber em vez de oficiar me fez aflorar a certeza que na Ceia eu estou celebrando o cuidado e a provisão divina tanto no processo de salvação em si quanto na santificação do cotidiano (penso que o Sl 23 soa melhor nestes acordes).
Ali no meio do povo, celebrei a Ceia do Senhor como quem ouve a aceita o convite do Pai para se juntar à mesa sagrada.  Como foi aconchegante aquele momento!
 É desta forma que o Senhor sussurra o seu convite: ceai comigo.  Venha sentar-se em meio à simplicidade e cercado de carinho e cuidado na sua mesa.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

MATRIARCAS

O tema de reflexão que proponho hoje é quase que impositivo.  Aproximando-se o segundo domingo de maio é difícil fugir de falar sobre as mães e o seu dia.  Mas por outro lado, o desafio é igualmente considerável, pois muito já foi dito e ainda hoje inúmeros textos, celebrações, homenagens, loas e elegias continuam sendo cantadas.
Quanto a mim, o que sempre me coloco a fazer é refletir a Palavra de Deus.  Este é o meu ofício.  É assim que devo falar sobre mães.
Neste intuito volto minha atenção ao livro das origens.  Em Gênesis estão narradas as histórias dos patriarcas dos hebreus: Abraão, Isaque e Jacó.  Aqui o que nos interessa porém é a presença ao lado destes homens de Deus de mulheres também heroínas da fé: Sara, Rebeca e Raquel.  Elas são as matriarcas.
Sabemos bem que a Bíblia apresenta sempre os seres humanos sem disfarces ou maquiagens.  Eles são o que são.  Também assim o texto descreve tais mulheres e de cada uma delas quero refletir sobre características bem peculiares as quais nos ajudam a falar a cerca e para as mães.  Vamos a elas.
A primeira matriarca é Sara, a princesa.  Quando, depois de algumas idas e vindas, os emissários do Senhor debaixo dos carvalhos de Manre anunciaram que Sara seria mãe em sua velhice, o texto diz que ela apenas sorriu ponderando a impossibilidade de tal coisa acontecer.  Antes de tecer severas críticas àquela mulher, devo lembrar que ela apenas se apegou ao natural princípio da realidade.  Se quando jovem, a madre não se lhe abriu, agora idosa isso aconteceria como? (confira isso em Gn 18:12).
Além da fé no intangível – que seu marido demonstrava – o que faltou a Sara foi deixar-se envolver na premissa que gerar filhos é como conceber sonhos.  É um aposta apaixonada na superação do objetivo pela possibilidade do inusitado.  O filho da promessa não seria consequência de sua labuta, mas recebido como dádiva (o Sl 127:3 diz bem assim).
Seguindo a linha das matriarcas, a próxima é Rebeca, a que se apega.  Tendo filhos gêmeos, ela demonstrou preferências pessoais por um dos filhos.  Gn 25:28 diz que ela se achegou mais a Jacó em detrimento a Esaú.  Não quero aqui traçar perfis psicológicos e seus desdobramentos nas vidas dos envolvidos e nem no grupo familiar.  Mas não posso negar que aquela era uma família com sérios problemas, e a atitude de Rebeca contribuía nessa desestruturação.
O que este caso reforça é a certeza de que educar e formar o caráter dos filhos exige abrir mão de alguns gostos pessoais e se dispor a amá-los indistintamente e aceitá-los como são.  Tendo recebido os filhos como herança, faz-se necessário deixar que eles desabrochem naquilo que verdadeiramente são (no caso do filho pródigo, a figura é de um pai, mas demonstra bem a aceitação de ambos os filhos com suas diferenças – veja Lc 15:20 e compare com os versos 28-32).
A terceira matriarca é Raquel, a bela flor.  Como esposa preferida de Jacó, Raquel sentia que lhe faltava um filho seu e levou a questão ao marido de maneira dramática: dá-me filhos ou morro! (leia em Gn 30:1).  Ela tinha inveja de Lea, sua irmã e concorrente que dera a Jacó vários filhos, e por isso precisava de crianças para servir como trofeu a ser exibido: a prova da vitória e da conquista.
Raquel ainda precisava saber que ter filhos deve ser mais que isso.  Tê-los não é os possuir como propriedade ou possessão.  Não se tem filhos para ostentar ou conservar debaixo da saia.  É para encaminhá-los à vida e a Deus.  É para sentir prazer e verdadeira recompensa em vê-los criados e indo em direção ao caminho traçado pelo Senhor.  É para se alegrar em saber-se apenas parte de suas vitórias (o Sl 127:4 aponta nesta direção).
Estas são as matriarcas que deram origem à nação de Israel.  Estas são suas histórias e lições.  Que o Senhor nos faça aprender delas e que assim abençoe as mães. 
(Na foto lá em cima, uma flor de mandrágora, que Rubem trouxe para sua mãe Lea e sobre a qual o folclore oriental acreditava possuir poderes de fertilidade.  Foi uma flor como aquela que atiçou as diferenças entre as irmãs - leia em Gn 30:15)